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Ouro, prata e bronze no tiro ao pé

Estadão

A política econômica do governo Trump conseguiu a proeza de ser ainda pior do que se antecipava, similar em orientação à longa lista de fracassos que nós, latino-americanos, imaginávamos ser um privilégio local.

Para ficarmos apenas na questão das tarifas, até agora o aspecto mais saliente da “estratégia” econômica, se cabe tal termo, tanto o objetivo da política quanto seus meios são equivocados. Com tal combinação, é até covardia afirmar que dará com os burros n’água – mas dará, e pode arrastar o resto do mundo consigo.

Por mais que uns e outros persistam na fantasia de que as tarifas seriam, na verdade, uma estratégia sofisticadíssima para atingir objetivos delirantes (segundo um assessor, “algumas pessoas parecem acreditar que Trump está jogando xadrez, quando, na maior parte do tempo, apenas tentamos impedi-lo de comer as peças”), sabemos, por declarações do próprio desde os anos 80, que sua meta é eliminar o déficit comercial dos EUA, ao qual atribui o declínio da indústria americana.

À parte a relação tênue entre déficits e perda de participação da indústria no PIB (a Alemanha registra grandes superávits, mas apresenta o mesmo padrão), a ideia de que tarifas resolveriam o problema não faz sentido. Economias em que o investimento supera a poupança, pela força do primeiro e pujança do consumo, precisam de recursos do resto do mundo, ou seja, geram déficit externo, como é o caso dos EUA.

Não se trata, a priori, de um problema e, mesmo se fosse, a solução não passa por tributar as importações. Se o investimento superar a poupança, tarifas limitam as importações, mas o país precisará exportar menos para cobrir a diferença.

Não é a única complicação associada à proposta. A economia americana opera praticamente a pleno emprego, ou seja, para aumentar a produção industrial seria necessário deslocar recursos (trabalho e capital) de outras atividades, notadamente serviços.

Afora os custos de tal transição, isso resultaria em produtividade mais baixa e, portanto, custos mais altos. Afinal de contas, se, na ausência de tarifas, a solução de mercado é produzir outras coisas, a única explicação reside na maior eficiência do status quo; a alternativa tem de ser pior. Assim, o crescimento de longo prazo deve também ser mais baixo.

Por fim, a incerteza quanto a esses processos tem levado à paralisia do investimento e a uma possível recessão.

Quando a maior economia do planeta atira no próprio pé, o dano não se limita a ela. Todo mundo entra na dança, e todos com os pés quebrados.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/ouro-prata-bronze-tiro-pe/

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Alexandre Schwartsman