Exercício com quatro modelos populares de LLMs foca no impacto global da guerra comercial e sobre as economias de EUA, China, UE, Japão, Índia e Brasil
Valor
A guerra comercial desencadeada nas últimas semanas, cujos desdobramentos ainda estão ocorrendo, representa um importante choque para o comércio e o crescimento mundial.
Os impactos desse choque ainda estão sendo modelados, processo que exige particular cautela na atual conjuntura, dado o dinamismo do noticiário e o elevadíssimo nível de incerteza prevalente. A cautela, necessária, dos economistas humanos, que têm obrigações fiduciárias, responsabilidades institucionais e reputações a zelar, não necessariamente se aplica aos economistas artificiais. Os Large Language Models (LLMs) não têm essas preocupações – ainda que possam ser adaptados para replicar esse tipo de condicionante – e se mostram bastante úteis para uma primeira (ênfase em primeira) avaliação dos impactos da guerra comercial. Os LLMs funcionam bem nesse tipo de situação, servindo como um assistente rápido dos economistas humanos.
Como em toda investigação, as respostas dependem das perguntas. No caso de LLMs, cabe ao usuário, por meio de prompts, formular as perguntas que devem ser respondidas. No caso da guerra comercial, foi necessário atualizar esses comandos várias vezes. Na versão final do prompt, quatro LLMs modelaram o impacto da guerra comercial – utilizei quatro modelos que são muito populares, três americanos e um chinês. O exercício foca no impacto global e sobre as economias dos Estados Unidos China, União Europeia (UE), Japão, Índia e Brasil, no horizonte de um ano. O prompt incorpora hipóteses sobre as funções de reação dos respectivos bancos centrais.
Especificamente, o Federal Reserve (Fed) deve trabalhar para evitar uma recessão nos EUA, desde que as expectativas de inflação do mercado sigam estáveis. Para o nosso Banco Central, a hipótese, não surpreendentemente, é que as autoridades persigam a meta de 3%.
Importante, segundo os últimos desenvolvimentos, o prompt estabelece que as relações comerciais entre EUA e China se tornaram inviáveis, dado o nível das tarifas. Como negociações devem eventualmente ocorrer, as estimativas de impactos podem estar no lado mais conservador do espectro – ainda mais se tivermos tarifas reduzidas para itens de alto conteúdo tecnológico.
Nenhum LLM deixa de estimar um impacto negativo sobre a atividade econômica, para todas as geografias. O impacto estimado sobre o PIB global varia de -0,3 pp a -1,5 pp, com a média em torno de -1 pp. As economias mais atingidas estão no epicentro da guerra comercial: o impacto sobre a economia chinesa tende a chegar a -2 pp em média; -1,1 pp no caso dos EUA. Economias emergentes devem ser menos atingidas, sendo o impacto médio estimado sobre a economia indiana próximo a -0,4 pp, e -0,5 pp no caso do Brasil.
A despeito da desaceleração econômica, a guerra comercial deve ser no geral inflacionária, seja pelo impacto direto, pela desorganização de cadeias produtivas ou, no caso das economias emergentes, pelo impacto da depreciação cambial. A economia americana deve ter a maior aceleração inflacionária, algo como +1,5 pp, segundo as estimativas dos LLMs. Por outro lado, a economia chinesa deve se deparar com um modesto efeito desinflacionário, de -0,4 pp. A depreciação, segundo a modelagem feita pelos LLMs, ocasionaria pressões inflacionárias adicionais sobre a economia brasileira, da ordem de 0,6 pp – com o efeito da depreciação dominando o impacto da queda dos preços de commodities.
Para as IAs, guerra comercial deve ser no geral inflacionária, com impacto negativo sobre a atividade econômica
O impacto inicial, segundo os LLMs, é de fortalecimento do dólar. A moeda chinesa deveria experimentar uma depreciação administrada de cerca de 3,5%. O euro se enfraqueceria em cerca de 1%, e o real 6%. O movimento perante moedas de economias emergentes está ocorrendo dentro do esperado. Mas o dólar tem se enfraquecido em relação às moedas de outras economias avançadas – o que pode refletir questionamento sobre a atratividade, no momento, dos ativos americanos.
Quanto à política monetária, todos LLMs estimam flexibilização adicional nos EUA, com cortes extras entre 25 pbs e 75 pbs. O impacto sobre o Banco Central Europeu (BCE) deve ser limitado, com um leve viés para a queda de juros. No caso brasileiro, diante da depreciação cambial, a política monetária seria compelida a implementar elevações adicionais da taxa de política monetária, entre 50 pbs e 100 pbs – todos LLMs estimam esse tipo de resposta.
Há que se reconhecer que a guerra comercial é um evento bastante complexo, com uma dinâmica altamente incerta. Circunstâncias distintas, por exemplo o progresso em negociações comerciais, podem levar os LLMs a apresentar estimativas diferentes. Esse exercício serve para ilustrar o uso prático de inteligência artificial (IA) e estimular o leitor a se engajar nessa tendência. As estimativas apresentadas servem apenas para esse propósito ilustrativo, não são necessariamente o meu cenário central.
No que se refere à política monetária no Brasil, em particular, a contribuição das estimativas é somente indicar que a guerra comercial poderia ter impacto inflacionário, mas não parece prudente chegar a conclusões muito firmes sobre esse tema, dado o alto grau de instabilidade envolvendo a modelagem. Recorrendo à história, a Grande Crise Financeira de 2008-2009 teve impacto, em última instância, desinflacionário – depois de um período de forte depreciação cambial. A crise ocasionada pela pandemia teve impacto inicial desinflacionário, tornando-se inflacionário com o passar do tempo. A crise da dívida europeia teve impacto limitado, mas levou, segundo os documentos oficiais, a autoridade monetária a uma radical alteração da postura de política monetária, cujos resultados são bem conhecidos. Dada a incerteza, é preciso manter a serenidade, e não reagir precipitadamente às mudanças no cenário.
Um último ponto: o texto acima versa sobre IA, mas não foi escrito por IA.
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/artificialmente-inteligente.ghtml
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