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Brasil e os recursos do mar

País deve posicionar-se para o início da mineração em águas profundas na área internacional e procurar ampliar o espaço marinho sob sua jurisdição exclusiva

Bolívar Rocha e Pedro Malan

Valor

Artigo de nossa autoria escrito para a Revista do Centro Brasileiro de Relações Internacionais1 propunha medidas voltadas a fortalecer os interesses do Brasil com relação aos recursos do mar. Desde sua publicação, o mundo entrou em forte turbulência, que se anuncia duradoura. No centro de disputas geopolíticas estão os minerais estratégicos usados em tecnologias sensíveis, dos quais há grandes reservas no mar.

A Groenlândia é relevante em razão das riquezas de seu território e de sua localização estratégica para a navegação. Mas também porque, a exemplo do Canadá, a projeção marítima de seu território alcança o Ártico e seus importantes recursos naturais. A reação da China às tarifas da administração Donald Trump inclui um elemento cirúrgico, a restrição à exportação de terras raras. Mesmo nações habitualmente sóbrias têm sido arrojadas na busca de ativos estratégicos: a Noruega foi o primeiro país a autorizar a mineração em sua plataforma continental estendida, além das 200 milhas náuticas que marcam a zona econômica exclusiva (ZEE) dos Estados costeiros, e o Japão tornou-se pioneiro em “deep seabed mining” depois de descobrir nódulos polimetálicos em sua ZEE.

Ganhou urgência, nesse contexto, a estratégia do Brasil para os recursos do mar. Um primeiro tema tem a ver com mineração em águas internacionais. Uma rápida pesquisa no termo Clarion Clipperton Zone (CCZ) permite compreender a importância das reservas de minerais críticos no mar. China, seguida por Rússia e Índia, lidera o grupo de países que têm contrato para pesquisa mineral com a International Seabed Authority (ISA), e que aguardam a conclusão do código de mineração da ISA para passar à exploração comercial. Os Estados Unidos estão excluídos desse clube porque não aderiram à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Mas ao final de março, a The Metals Company, que há vários anos pesquisa nódulos polimetálicos na CCZ, anunciou que passará à fase de exploração comercial sob uma licença do governo dos EUA, ignorando a ISA.

Mais de 40 países prontamente protestaram respeito ao direito internacional. É um desafio importante para a ISA e para a brasileira Letícia Carvalho, que desde janeiro é sua secretária-geral. Dada a importância da segurança mineral, faz sentido o Brasil posicionar-se para o eventual início de mineração em águas profundas na área internacional. O Plano Setorial para os Recursos do Mar prevê essa retomada, possivelmente na Cordilheira Meso-Atlântica, mas para que aconteça de fato será preciso que haja interesse e envolvimento do setor privado.

O Brasil também deve procurar ampliar o espaço marinho sob sua jurisdição exclusiva. É um trabalho da maior importância que vem sendo bem conduzido pela Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha. Como noticiado pela imprensa, ao fim de março foi concluída com êxito, após sete anos de exame, a expansão da margem equatorial, e o país já havia incorporado área importante na margem sul.

O próximo segmento a ser analisado pela Comissão de Limites da Plataforma Continental da ONU será a margem oriental-meridional. É onde se encontra a Elevação do Rio Grande (ERG), uma área correspondente ao território do Estado da Bahia, situada a mais de 1.200 km da costa e aparentemente rica em minérios estratégicos. (A Marinha do Brasil precisou afastar da região, mais de uma vez, navios estrangeiros que faziam prospecção mineral). Para ter novo êxito, o Brasil precisará convencer a Comissão de Limites que existe continuidade geológica e geomorfológica entre a ERG e sua massa continental, a despeito da grande distância da costa. (A Islândia acaba de conseguir a aprovação da Comissão de Limites para a incorporação de uma área, aparentemente rica em minérios, situada a 570 milhas náuticas de sua costa). Há elementos técnicos, jurídicos e estratégicos que podem ser mobilizados para fortalecer a proposta brasileira.

Além de assegurar espaço marinho exclusivo na máxima extensão possível, o país precisa ordenar seu aproveitamento econômico para conciliar atividades que podem concorrer pelo mesmo espaço. Já está em curso o planejamento espacial marinho, com coordenação da Marinha e recursos do BNDES, mas será indispensável adotar um marco jurídico amplo e sólido. No caso da mineração, as regras existentes são imprestáveis, porque a lei prevê que a maior parte da receita da atividade (CFEM) reverta para os municípios onde ocorre a produção. Mesmo a produção de petróleo, com décadas de experiência offshore, exige novas regras. É que o direito do mar prevê o pagamento de royalties à International Seabed Authority quando ocorrer exploração de recursos naturais na plataforma continental estendida. No leilão da ANP de dezembro de 2023 foram pela primeira vez arrematados blocos nessa faixa.

Ainda há quase 200 fronteiras marítimas por definir no mundo, e as disputas por espaço e recursos naturais são numerosas. Mas países em conflito têm se entendido para partilhar a receita da exploração de recursos naturais. É uma forma pragmática de obter recursos sem abrir mão de sua pretensão territorial. Israel e Líbano têm um arranjo para divisão de receita de produção de gás natural no Mediterrâneo, Austrália e Timor Leste inauguraram com sucesso o mecanismo de conciliação previsto na Convenção sobre o Direito do Mar e se puseram de acordo para definir fronteiras e partilhar receitas da produção de hidrocarbonetos.

Chama a atenção que países como China e Venezuela, ambos no centro de tensões agudas por espaço marítimo (Mar do Sul da China, projeção marítima de Essequibo), venham sugerindo o caminho da negociação para resolver suas disputas. Tudo isso para dizer que o Brasil poderia atuar como mediador de conflitos, e com isso reforçar seu capital político como potência regional. Também é uma forma, mesmo que indireta, de fortalecer seus próprios interesses. Há em nossa região uma disputa já deflagrada e outra latente, ambas ligadas a hidrocarbonetos; a primeira na costa da Guiana, a segunda no espaço marítimo adjacente às Ilhas Malvinas.

Logo que os EUA anunciaram, em dezembro de 2023, a conclusão do processo de fixação de suas fronteiras marítimas, ao final de 20 anos de trabalho, matéria do “Financial Times” informou que as reivindicações dos EUA sobre uma faixa dos fundos marinhos rica em minerais estão sendo contestadas pela China e pela Rússia porque Washington não ratificou um tratado que rege o acesso a recursos em águas internacionais. O tratado mencionado pela matéria é a Convenção sobre o Direito do Mar. Diferentemente dos EUA, o Brasil aderiu à convenção desde o primeiro dia e está habilitado a ampliar seu espaço marítimo, e também a participar sem contestação de atividades na área internacional.

O proveito de uma estratégia bem-sucedida com relação aos recursos do mar vai muito além dos minérios, claro. Artigo competente publicado na edição mais recente da revista “Insight Inteligência” discute o enorme potencial de nossa Amazônia Azul – em particular de sua biodiversidade. As iniciativas aqui discutidas são tarefas do poder público. Mas a experiência mostra que o envolvimento do setor privado pode ser determinante para o êxito de políticas públicas complexas e importantes – como é o caso das tarefas em questão.

1) Brasil e os Recursos do Mar: proposta de agenda. Revista do Centro Brasileiro de Relações Internacionais – n. 10, abril-junho de 2024.

Bolívar Moura Rocha e Pedro Sampaio Malan são sócios da consultoria Moura Rocha & Malan.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/brasil-e-os-recursos-do-mar.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Pedro Malan