Mário Mesquita destaca que autoridade monetária “tem escrito já há bastante tempo que quer desacelerar a economia para reduzir a inflação”
Valor
O lançamento da linha de crédito consignado privado já tem impacto relevante sobre as projeções macroeconômicas para o Brasil. Esta é a avaliação do economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, levando em conta o que aconteceu com o consignado original. “A gente estima que o impacto poderia ser algo como 0,6 ponto percentual a mais no crescimento brasileiro, algo como 0,2% esse ano, 0,4% ano que vem”, afirmou Mesquita. Ele conversou com o Valor em Washington, onde participa de eventos em paralelo às reuniões de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.
A percepção é de que o novo produto deve “pegar”, dado o elevado interesse e demanda por parte dos consumidores. “No primeiro momento, provavelmente a gente vai ter muita substituição. As pessoas que têm o crédito pessoal vão trocar pelo crédito consignado, que tende a ser mais barato e com prazos melhores”, afirmou. Esse movimento, no entanto, pode colidir com os objetivos atuais da política monetária.
“O Banco Central, de forma muito transparente, tem escrito já há bastante tempo que quer desacelerar a economia para reduzir a inflação. Essa inovação financeira, ainda que bem-vinda do ponto de vista estrutural, nesse primeiro momento vai contra essa perspectiva de desaceleração”, ponderou o economista. “A iniciativa é boa, não tenho a menor dúvida. A questão é que, do ponto de vista macro, ela tende a ter efeitos benéficos a médio prazo, só que no curto prazo ela vai na contramão do que o Banco Central pretende”, explicou
O atual ambiente de inflação disseminada e expectativas desancoradas preocupa, mas pode encontrar alívio no cenário internacional, segundo Mesquita. “Não divergimos em nada do diagnóstico do presidente do Banco Central [Gabriel Galípolo]. Uma inflação alta, disseminada, uma inflação que está distante da meta. Expectativas também já vêm acima da meta há bastante tempo, é um cenário de inflação desafiador para o Brasil”, disse Mesquita, ao responder sobre a fala do presidente do BC em audiência pública no Senado nesta semana, quando Galípolo falou que a inflação no Brasil está disseminada.
Contudo, na avaliação do economista, o cenário externo pode abrir espaço para um movimento conhecido como “desinflação oportunista”. “Se o mundo ajuda, você deixa a inflação cair mais e chegar mais rápido na meta, né? Lembrando que está distante da meta há muito tempo”, afirmou. Mas alerta: “A história também indica que superestimar o efeito desse tipo de choque na inflação pode ter um custo muito grande.”
Em relação ao crescimento, as projeções do Itaú Unibanco para o Brasil seguem em 2,2% para 2025 e 1,5% para 2026. A taxa Selic terminal esperada permanece em 15,25% este ano, com duas altas de 50 pontos-base, e redução gradual no próximo ano, fechando em 13,25% em 2026.
Isenção do IR até R$ 5 mil e tributação de grandes fortunas
Com relação à proposta do governo de isentar do Imposto de Renda pessoas físicas que ganham até R$ 5 mil, o economista acredita na aprovação, mas com compensações apenas parciais. “Olha, vai ter, a gente acha que vai ser aprovada, as compensações vão ser aprovadas parcialmente, a grosso modo de R$ 40 bilhões de compensações devem vir R$ 20 bilhões do Congresso, é um estímulo fiscal adicional, a gente tem isso na conta. Esse é o nosso cenário, que passem os R$ 5 mil e que passem compensações parciais.”
Sobre a evolução da pauta da taxação de grandes fortunas, Mário Mesquita avalia que essa pauta tem mais simbologia política do que efetividade arrecadatória.
“Esse é um imposto que alguns países da região adotaram, ele acaba arrecadando muito pouco, tem mais uma simbologia política do que algo que mude muito a cara da performance das receitas do país”, afirmou.
Apesar da baixa eficácia arrecadatória observada em outras nações, a proposta ainda pode avançar, segundo ele. Contudo, um dos desafios está justamente na definição do que caracteriza uma “grande fortuna”
Ainda assim, o especialista defende que o país caminhe para um sistema tributário mais progressivo, que tribute proporcionalmente quem ganha mais. “Acho que é importante a gente caminhar para um sistema tributário mais progressivo, um sistema tributário que tributa mais aqueles que têm mais, que ganham mais e tribute menos aqueles que ganham menos”, avaliou.
Segundo Mesquita, essa é uma pauta que enfrenta resistência e que enfrentará muitas pressões.
Teto de gastos como solução para a dívida
Com a projeção de que a dívida pública brasileira fique em torno de 80% do PIB em 2025 — diferentemente dos 92% previstos pelo FMI ao adotar metodologia distinta —, o economista-chefe do Itaú Unibanco reforça que o patamar ideal seria 60%, baseado em dois critérios. “Primeiro que os países que têm dívida BBB- que é o nível inferior do grau de investimento, a dívida bruta é 50% do PIB em média. Quando o Brasil virou grau de investimento lá em 2008, a nossa dívida era 56% do PIB. Dado que a gente tem muitas reservas internacionais, vou dar uma margem para o Brasil de 60%, por isso que eu tenho defendido 60%.”
E como chegar lá? “Precisa voltar para o teto de gastos, é simples assim. Ah, mas é difícil? Ah, é difícil, não tenho a menor dúvida que é difícil. Mas a alternativa é você ser condenado eternamente a ser um país sub grau de investimento.”
Sobre os desafios fiscais, Mesquita critica a resistência em enfrentar o crescimento da despesa públicas. “Os problemas fiscais brasileiros decorrem de decisões de política econômica, que a gente foi tomando ao longo do tempo. É difícil a gente esperar resultados fiscais muito melhores sem alterar essas decisões.”
Para ele, o Brasil deve enfrentar a questão do ritmo de crescimento da despesa, da rigidez do gasto público. O economista também defende que integrantes da equipe econômica do governo não devem se autocensurar por antecipar reações políticas. “Cabe ao economista, cabe ao técnico desenhar a política econômica adequada e não entrar nessa área do político. É muito difícil isso que eu estou falando. Não é fácil, mas é factível.”
A volta ao controle de gastos, segundo Mesquita, é o caminho para recuperar credibilidade e reduzir os juros. “A gente [Brasil] só não teve política econômica disfuncional na época da vigência do teto de gastos. Que aí você conseguia controlar a inflação com a taxa de juros mais baixa, isso ajudava a ter uma moeda mais competitiva.”
Mesquita lembrou que já há indicações de integrantes da equipe econômica de que serão necessários ajustes a partir de 2027 e avalia que independentemente de quem for o presidente eleito em 2026, a temática do teto de gastos vai estar na agenda.
“Eu acho que quem quer que seja o presidente ou a presidente eleito (a) em 2026, que vai governar a partir de 2027, vai ter que lidar com essa temática”, afirmou.
Link da publicação: https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/04/24/consignado-privado-pode-pressionar-inflao-no-curto-prazo-avalia-economista-chefe-do-ita-unibanco.ghtml
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