Ao tentar trazer a produção de volta para os EUA, Trump está trazendo a economia americana, uma das mais competitivas do mundo, para a direção da brasileira, uma das menos competitivas
Valor
Donald Trump tem provocado um alvoroço na economia mundial com a introdução de uma série de mudanças econômicas. Uma de suas principais medidas foi a elevação das tarifas de importação sobre os produtos de vários países. Estas tarifas depois foram revertidas para uma taxa de única de 10%, ainda muito acima das que vigoravam anteriormente. A exceção foi a China, que está tendo que enfrentar tarifas de até 140%. Afinal, quais são os efeitos das tarifas de importação? Por que os países decidem adotá-las? Como elas afetam as economias destes países?
As tarifas acrescentam um percentual sobre o preço de produtos importados, tornando-os mais caros. Elas podem ser direcionadas para produtos específicos, importados de qualquer país, ou para todos os produtos de determinados países, como está ocorrendo na guerra comercial entre a China e os EUA. O principal efeito das tarifas é aumentar os preços dos produtos tarifados, o que prejudica tanto o consumidor destes produtos como as firmas que usam estes produtos como insumos para produzir outros.
Hoje em dia, para produzir uma mercadoria, as empresas utilizam os insumos mais avançados e mais baratos que possam encontrar no mundo. É como o consumidor, que na hora de comprar uma TV, procura a melhor e mais barata que encontrar no mercado. Ou como a Embraer, que compra as peças mais confiáveis em vários países do mundo, monta seus aviões no Brasil e os exporta a preços competitivos. Ou a Nike, que produz seus tênis no Vietnã, que tem mão de obra barata e qualificada, e os vende a partir dos EUA. Mas por que então os países decidem adotar tarifas de importação, se elas irão encarecer seus produtos?
Trump tenta reverter o desaparecimento do estilo de vida tradicional em cidades industriais dos EUA. Não vai dar certo.
Cada país tem seu motivo. Os EUA tinham uma indústria estabelecida e competitiva internacionalmente até que o Japão encontrou um jeito mais barato de produzir automóveis. Depois disto, a China abandonou o comunismo na economia e ingressou com força no comércio internacional, produzindo bens intensivos em trabalho aproveitando seus 700 milhões de trabalhadores que ganham baixos salários. Os produtos chineses invadiram os EUA, provocando o desaparecimento do estilo de vida tradicional em várias cidades industriais americanas. Como consequência disto, vieram o vício em opioides e os suicídios entre os homens brancos que trabalhavam nestas indústrias. O presidente americano está tentando reverter este processo encarecendo os produtos chineses por meio de tarifas. Não vai dar certo.
No caso do Brasil, o processo de substituição de importações foi baseado em barreiras contra a importação, tanto as tarifárias como as não tarifárias. A justificativa para estas barreiras era que era necessário inviabilizar a importação dos produtos industriais de outros países para que pudéssemos desenvolver nossa indústria. Será que essa justificativa faz sentido? Teoricamente, tarifas e subsídios fazem sentido somente para dar um impulso inicial para que setores industriais possam se desenvolver no país, gerando tecnologias que podem ser utilizadas em outras áreas da economia. Quando estes setores conseguissem ganhar escala e exportar para outros países, as tarifas e os subsídios deveriam baixar novamente.
O problema é que no Brasil este dia nunca chegou. Diferentemente do caso americano, a indústria nacional, com poucas exceções, nunca foi competitiva internacionalmente, por vários motivos. A política industrial brasileira, que prevalece até hoje, nunca condicionou sua continuidade a metas de exportação, como ocorreu nos tigres asiáticos. Porém, assim que nossos setores industriais começaram a crescer, eles formaram associações para protegerem seus interesses e se instalaram em Brasília. Isto evita que os subsídios sejam removidos. Assim, a produtividade da nossa indústria continua nos níveis de 1980, apesar de todos os pacotes de incentivos, proteção e subsídios que persistem desde aquela época. No nosso caso, o avanço da China no comércio internacional foi somente o golpe de misericórdia na nossa indústria, que agora vive de importar produtos da China e colocar etiquetas brasileiras em vários setores.
Já os EUA crescem cerca de 2% ao ano desde o início do século passado, dobrando a sua produtividade a cada 35 anos. Ao tentar trazer a produção destes produtos de volta para os EUA, Trump está trazendo a economia americana, uma das mais competitivas do mundo, na direção da economia brasileira, uma das menos competitivas. Assim, os preços dos produtos nos EUA já estão aumentando e uma recessão torna-se cada vez mais provável.
Outro problema de se criar uma indústria artificialmente é que fica cada vez mais custoso retirar sua proteção. Foi o que ocorreu na liberalização comercial que houve no Brasil no início dos anos 1990. O governo Collor primeiro substituiu todas as barreiras não tarifárias por tarifas de importação e, em seguida, baixou estas tarifas de uma média de 40% em 1988 para 14% em 1995. Como resultado disto, houve um forte aumento de produtividade.
Mas como nós não tínhamos vantagens competitivas (nem estáticas nem dinâmicas) em quase nenhum setor, milhares de trabalhadores perderam seu emprego ou foram para a informalidade. Isto provocou a diminuição dos salários relativos e aumentos da criminalidade nas cidades mais afetadas e aumentou também a religiosidade das pessoas, em busca de algum conforto espiritual. O mesmo acontecerá se acabarmos com a Zona Franca de Manaus, mais uma política completamente equivocada que persiste há décadas.
Em suma, as tarifas de importação podem ser usadas nos estágios iniciais de desenvolvimento de um país, para testar se sua indústria tem condições de competir internacionalmente, com metas claras de investimento em tecnologia e de exportação. Depois de um tempo, as tarifas e os subsídios têm que baixar rapidamente, para permitir que as empresas produtivas tenham acesso aos insumos mais avançados existentes no mundo. No caso dos EUA, a imposição de tarifas elevadas vai causar inflação e recessão, sem trazer de volta a felicidade e a saúde dos antigos trabalhadores industriais, que perderam seu emprego porque outros países começaram a produzir estes mesmos produtos de forma mais barata, e porque parte das suas antigas tarefas agora estão sendo produzidas por robôs.
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/tarifas-de-importacao.ghtml
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