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Conversa com um leitor

Folha

Na semana passada, abordei a necessidade de, durante alguns anos, não haver aumentos reais do salário mínimo. O tema é muito polêmico e suscitou inúmeros comentários de leitores. A minha coluna elaborava manifestação de Arminio Fraga na conferência Brazil Week, em Harvard. O leitor Luiz Gustavo Amorim fez os seguintes questionamentos:

“Arminio é um cara sensato, mas por que falar em congelar o mínimo sem antes mencionar a fila de subsídios e desonerações, a previdência dos militares, as emendas impositivas, os supersalários do Judiciário e a carga tributária ridícula do andar de cima?”.

O questionamento de Luiz Gustavo reproduz inúmeras outras manifestações que chegaram até a mim. Vale, portanto, insistir no tema.

Em sua fala, Arminio propôs um programa de redução dos subsídios tributários dos atuais 6% do PIB para 4% do PIB. Mas, se o leitor quiser conhecer o diagnóstico que Arminio faz de nossa desigualdade, e das políticas necessárias para atacá-la, a melhor fonte é o artigo que ele publicou em 2019 na revista Novos Estudos, do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Na quinta seção de seu texto, Arminio, empregando o excelente relatório de Orçamento de Subsídios da União (OSU), avalia as diversas frentes em que podemos avançar. Há muito espaço para redução desses benefícios. Por exemplo, em 2003 os subsídios tributários da União eram 2% do PIB, em 2016 atingiram 4,3%, e hoje rodam em 4,8% do PIB. Se conseguirmos voltar ao valor legado pelo governo FHC, a arrecadação se elevaria em 2,8 pontos percentuais do PIB.

A leitura da quinta seção do texto de Arminio documenta o oposto da visão comum. Esta alega que há alguns grupos pequenos privilegiados que abocanham o dinheiro do Estado. Se houver vontade política e se enfrentarmos os poderosos, resolveremos o problema de financiamento do Estado brasileiro, e a pobreza e a desigualdade se reduzirão muito.

Como tenho insistido neste espaço há muito tempo, “os culpados”, chamemos assim, somos todos nós. Há uma boquinha para cada um. Quem não se beneficia da possibilidade de abater do IRPF integralmente os gastos com saúde? Quem não tem uma empresa do Simples ou é “pejota”, portanto, paga Imposto de Renda bem menor do que se tivesse um contrato CLT ou se a empresa operasse no lucro real? Quem não tem um parente idoso rico que não declara IRPF ou mesmo um parente com capacidade contributiva, mas que está isento do IRPF, pois tem alguma doença? Quem em algum momento da vida não se beneficiou de um empréstimo público a taxas subsidiadas? Quem não tem parente, conhecido, amigo que recebe uma reparação financeira muito elevada do Estado brasileiro pelos crimes da ditadura? E os salários acima do teto de diversas carreiras do funcionalismo público? A lista é bem longa.

Os governos têm buscado corrigir esse estado de coisas. Em 2023, o atual governo igualou as regras tributárias dos fundos fechados de investimentos com a dos abertos. O ministro Haddad, recentemente, encaminhou ao Congresso um projeto de lei para aumentar a tributação sobre as altas rendas. Paulo Guedes havia tentado. Oxalá desta fez o Congresso não desfigure completamente a proposta do Executivo.

O ideal é que deixemos de lado os xingamentos e olhemos com mais cuidado os números e avaliemos onde podemos melhorar —cortando gastos e elevando a receita— para atender aos mais necessitados.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2025/04/conversa-com-um-leitor.shtml

Sobre o autor

Samuel Pessôa