Trump ameaçou demitir Powell e recuou, mas ficou clara sua intenção de atribuir a ele no futuro a culpa pelos efeitos econômicos negativos de sua política protecionista
Estadão
No início de fevereiro, escrevi nesta coluna sobre os efeitos negativos da tentativa do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de intimidar o chairman do Federal Reserve, Jerome Powell. Nos últimos dias, Trump ameaçou demitir Powell e recuou. A lei não permite isso, portanto o risco se apresentará em maio do ano que vem, quando termina o mandato de Powell e o presidente poderá nomear seu sucessor. Mas esses arroubos geram instabilidade e causam perdas a todos.
Até a semana passada, o índice S&P 500, o principal indicador do mercado acionário americano, havia recuado 10% desde a posse de Trump. Por outro lado, o ouro subiu 30% este ano, um valor recorde. A onça do ouro custa cerca de US$ 3,5 mil no momento que escrevo este texto e, de acordo com projeção do JP Morgan, pode passar dos US$ 4 mil no ano que vem.
Este é um mau sinal. O ouro é um ativo conservador, a mais antiga forma de preservar patrimônio. É muito procurado por investidores em crises graves, como aconteceu na pandemia. Se está subindo, é sinal de que os investidores estão avessos a riscos. O ouro tomou o lugar dos títulos do Tesouro americano. O governo está tendo de pagar juros maiores para vender estes papéis, algo difícil de acontecer.
Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional revisou para baixo suas estimativas de crescimento de PIB feitas em janeiro. A estimativa de crescimento do PIB mundial foi reduzida de 3,3% para 2,8% este ano. Para o Brasil, o crescimento estimado do PIB foi reduzido de 2,2% para 2%. Os números absolutos importam pouco, o que vale é a tendência: a perspectiva é de menos crescimento este ano, devido às tarifas que Trump ameaça impor a outros países.
Nos Estados Unidos os presidentes normalmente não criticam o Fed, o que justifica o nervosismo. Trump recuou no dia seguinte, mas ficou clara sua intenção de atribuir a Powell no futuro a culpa pelos efeitos econômicos negativos de sua política protecionista. É improvável que as empresas que vendem nos Estados Unidos transfiram a produção em outros países para lá.
O mais provável é que os produtos fiquem mais caros e não haja criação de empregos, como Trump promete. Não será culpa de Powell se isso acontecer.
O perigo para 2026 é Trump indicar um chairman do Fed que aceite fazer suas vontades e mantenha os juros abaixo do necessário. Da última vez que isso aconteceu, na década de 1970, os Estados Unidos tiveram uma inflação elevada pelos padrões americanos e, depois, tiveram de conviver com juros altos por quase uma década para voltar à estabilidade.
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