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Brasil tem como colher frutos da guerra tarifária, diz Leichsenring

Para Daniel Leichsenring, não dá para pensar que o Brasil vai passar à margem da situação, mas há efeitos potencialmente benéficos para o país

Valor

Num mundo que vive a ameaça da desaceleração puxada pela economia americana, em meio às tarifas de importação do presidente Donald Trump, não dá para pensar que o Brasil vai passar à margem dessa confusão. Mas há efeitos potencialmente benéficos para o país, segundo o economista Daniel Leichsenring, que está se juntando como sócio e executivo-chefe de investimentos (CIO) da gestora de fortunas WHG.

Um deles é a menor pressão dos preços das commodities sobre a inflação. É o que pode permitir que ao Banco Central (BC) interrompa o ciclo de alta da Selic, hoje em 14,25% ao ano, antes do esperado. A rotação de carteiras que se observa dos EUA para outros mercados tem favorecido em certa medida a reavaliação dos ativos locais, que viraram o ano bem depreciados. Do lado comercial, o Brasil pode capturar oportunidades, já que vai sofrer a menor taxação, de 10%, e tem os produtos agrícolas como uma das forças da sua pauta de exportações.

Embora haja previsões de um menor ritmo também para a economia brasileira, o país ainda apresenta crescimento robusto, “com sintomas de sobreaquecimento” pelo aumento de gastos públicos, de programas de transferência de renda, com a ampliação do papel do Estado na economia. Apesar da oportunidade de se sobressair no comércio global, enfrenta desafios fiscais significativos. É um diagnóstico que atravessa diferentes ciclos econômicos e governos, diz.

“O Brasil tem os mesmos problemas de muito tempo que é o fiscal difícil, com dívida que sobe 4,5 pontos percentuais ao ano, vai para um déficit primário entre 0,5% e 1% do PIB [em 2025]. As finanças públicas continuam em uma situação muito delicada, sem nenhum plano sério de consolidação”, diz Leichsenring. “Para o país ter uma mudança muito relevante para melhor, precisa um pouco mais de clareza sobre a questão fiscal, é super-relevante: em que medida vai continuar tapando o sol com a peneira ou de fato resolver, tomar conta da dívida?”

É por essa dinâmica permissiva que a taxa básica de juros beira os 15% ao ano, um nível que não é normal e é resultado de alguns desarranjos, segundo o CIO da WHG. Mas a economia ainda precisa mostrar sinais convincentes de que “está mais equilibrada e que a inflação vai convergir para a meta”, primeiro para interromper o ciclo de alta para depois mudar o sinal.

Em algum momento à frente, ele considera que o mercado brasileiro vai ficar 100% ligado à transição eleitoral de 2026. Se houver algum compromisso fiscal dos candidatos, pode haver uma reação dos ativos domésticos. “A gente tem que analisar a evolução dos parâmetros para ver em que medida pode ficar um pouco mais construtivo.”

Os EUA, que se recuperaram de forma robusta após a pandemia, devem perder tração, diz Leichsenring. As tarifas têm o potencial de reduzir o poder real de compra das famílias americanas, além de adicionar o risco inflacionário à medida que a taxação de bens importados seja repassada para os preços das mercadorias.

“Ainda não está claro se [a redução do crescimento será] de magnitude suficiente para provocar uma recessão, mas certamente há uma desaceleração significativa do passo robusto que a economia vinha crescendo”, afirma. Nesse cenário de menos segurança com a evolução da lucratividade e das margens das empresas, pode ainda haver a reavaliação desses novos riscos, com implicações para os ativos do mundo inteiro.

Leichsenring lembra que os maiores beneficiários históricos da integração do comércio global foram os Estados Unidos, as empresas americanas, que acabaram se tornando centros de produção de conhecimento, de tecnologia, para produzirem em algum outro lugar do mundo que tenha escala e custos mais baixos.

Ele acredita que o imbróglio comercial será uma turbulência temporária. “Não quero dizer que o pior já passou, mas encaro mais como uma oportunidade de longo prazo do que de um medo de que o longo prazo seja radicalmente diferente.”

Para ele, as empresas americanas vão saber se adaptar a uma condição de mais tarifas e tirar proveito da nova configuração no futuro. “Não acho que vá mudar de maneira dramática essa combinação fantástica da economia americana, que é uma capacidade intelectual incrível, dada pelos centros universitários, muita pesquisa em desenvolvimento e tecnologia, muita gente boa e capital disponível para investir em novas tecnologias, numa escala muito grande.”

Mas há em curso uma reavaliação de preços do dólar e de ativos americanos muito caros passando por uma reacomodação de fluxos mundo afora.

Link da publicação: https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/05/07/brasil-tem-como-colher-frutos-da-guerra-tarifaria-diz-leichsenring.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Daniel Ribeiro Leichsenring