Entrevistas

Tratar fiscal seria ‘virada de chave’ para vida mais tranquila no Brasil, diz Arminio

Para ex-BC, congelar mínimo em termos reais traz resultado fiscal rápido até demais reforma

Valor

Arrumar o Brasil para conseguir gerar crescimento sustentado da renda per capita no país é “uma guerra de guerrilha”, mas que precisa ser travada e passa por entrar em discussões que, muitas vezes, são tidas como tabus, diz o ex-presidente do Banco Central (BC) Arminio Fraga. Congelar o salário mínimo em termos reais, sem aumentos acima da inflação, por alguns anos, por exemplo, seria uma maneira rápida de obter algum resultado no espaço de uma reforma da Previdência, explica o sócio-fundador da Gávea Investimentos.

A sugestão já havia sido feita por Arminio durante um evento nos Estados Unidos e gerou repercussão. A evolução do salário mínimo tem forte impacto sobre as contas públicas porque ele corrige aposentadorias e benefícios assistenciais. Para Arminio, porém, o piso salarial do país precisa ser repensado para além do efeito fiscal, incluindo debates sobre informalidade e produtividade. “É mais ou menos consenso que dar aumentos além da produtividade traz problemas sérios no mercado de trabalho. A gente precisa discutir esse assunto”, afirma.

A questão fiscal precisa ser abordada para cuidar de duas grandes preocupações, segundo Arminio. Uma é a taxa de juros alta, que inibe investimentos e, junto com o endividamento elevado, deixa o país mais vulnerável. A outra é a necessidade de reformas como a da Previdência e a do Estado, incluindo entes subnacionais.

“Eu acho que esse é um ponto nevrálgico, de uma virada de chave no Brasil, para que a gente tenha uma vida um pouco mais tranquila, alongando os horizontes e crescendo mais”, afirma.

Atacar a questão fiscal traria efeitos econômicos não só grandes, mas também rápidos, através do ganho de confiança, aponta o ex-presidente do BC. “Acho que o impacto seria muito maior do que se imagina”, afirma. Colocar esse debate é sempre difícil, reconhece Arminio, principalmente a dois anos de eleição presidencial. Mas, para ele, se a discussão já estivesse acontecendo, seria bom e poderia afetar as expectativas. “Sinto falta disso. Porque isso vai guiar um pouco as próprias campanhas.”

Veja a seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: Muito se diz que, quando o cenário externo está ruim, a pressão sobre a situação fiscal do Brasil aumenta. O exterior, em tese, está pior, com disputa tarifária e perspectiva de desaceleração global. Ainda assim, agentes de mercado parecem ignorar, por ora, o quadro das contas públicas brasileiras. Por quê?

Arminio Fraga: No momento em que [Donald] Trump chega ao poder [nos Estados Unidos], com esse jeito de operar totalmente fora dos parâmetros mais tradicionais, [os agentes] vão focar isso. Mas tem muita coisa grande acontecendo no mundo. Antes mesmo da chegada de Trump, já estava mais ou menos declarada uma nova guerra fria entre EUA e China – agora, esse tom foi multiplicado por dez. Há as questões do Oriente Médio, a situação da Ucrânia. O tema geral do endividamento também ganhou espaço na reunião anual do FMI [Fundo Monetário Internacional]. É muita dívida para todo lado. A dívida pública americana vem crescendo em ritmo acelerado, porque eles têm um déficit público grande. Então, existem alguns sinais que vão além de Trump. Para nós, no passado, isso pegava pelo balanço de pagamentos. Agora, têm câmbio flutuante, muita reserva e juros altos. Não diria que é uma situação tranquila de jeito nenhum, mas, como sempre, os problemas maiores estão aqui dentro.

Valor: Quais problemas?

Fraga: São quarenta e poucos anos de crescimento per capita abaixo dos EUA. Isso é um problema gigantesco, a diferença não é pequena. Se em vez de crescer 1% a menos do que os EUA, que foi o caso no período, o Brasil crescesse 1% a mais em 44 anos, já imaginou a diferença? É colossal. O Brasil está perdendo oportunidades sistematicamente. As coisas acontecem de uma maneira, às vezes, que confunde, porque tem períodos bons, aí depois tem uma megacrise. O Brasil teve duas dessas quatro décadas com crescimento per capita negativo. É um fracasso retumbante. Foram aprovadas boas reformas, mas o impacto geral foi modesto. Houve queda da desigualdade e da pobreza extrema, com programas como o Bolsa Família e outros. Não dá para dizer que não houve nenhum progresso, mas a comparação com algo que poderia ser e que não é nenhum milagre Ou, talvez, seja um milagre político, não sei, mas econômico não seria. Eu penduro certa esperança em uma ideia muito simples, que é a de que o Brasil tem muito espaço para melhorar.

Mesmo resposta modesta [do arcabouço] não está acontecendo na prática”

Valor: No front fiscal, o que pode ser feito?

Fraga: A dívida está indo para 80% do PIB – 90% no critério internacional, que é bom ter em mente para comparar – pagando uma taxa de juros astronômica. Quando eu entrei nessa discussão naquele evento nos Estados Unidos [Brazil Conference, organizado por estudantes brasileiros em faculdades americanas], que parece que teve muita repercussão nas redes, eu já tinha passado dessa fase inicial dos meus comentários e me questionaram: mas o que dá para fazer? Dá para fazer uma reforma do Estado, uma reforma da Previdência, completar a reforma tributária e, no geral, mexer também em áreas que tipicamente ficam fora do discurso econômico, mas são absolutamente cruciais, como segurança e saúde. O lado fiscal, hoje, precisa ser abordado para cuidar de duas grandes preocupações.

Valor: Quais?

Fraga: Uma é macroeconômica. Essa taxa de juros que nós temos, uma dívida que nos deixa vulneráveis se vier outra crise. É uma taxa de juros que inibe o investimento. E eu não critico o Banco Central, ele está fazendo o papel dele. Eu acho que o BC precisa de ajuda. Depois, é preciso repensar o Estado com reformas, reforma da Previdência, trabalhar os gastos tributários, que são muito elevados. Atacar a questão fiscal traria efeitos rápidos e grandes. Houve uma tentativa no início do atual governo com o arcabouço, que, naquele momento, foi uma mudança de direção importante, mas ainda era uma resposta modesta. E mesmo essa resposta modesta não está acontecendo na prática. Eu acho que esse é um ponto nevrálgico, de uma virada de chave no Brasil, para que a gente tenha uma vida um pouco mais tranquila, alongando os horizontes e crescendo mais. O Brasil tem uma situação que, em tese, permitiria um crescimento mais acelerado se essas questões todas fossem abordadas e se houvesse um ambiente de negócios que alongasse horizontes. O Brasil investe 17% do PIB, é muito pouco.

Valor: A fala do sr. no evento nos EUA que repercutiu mais nas redes sociais foi sobre congelar o reajuste real do salário mínimo por seis anos. Qual é a ideia?

Fraga: É uma maneira rápida de obter algum resultado no espaço da reforma da Previdência. E não é só o resultado fiscal, acho que o salário mínimo precisa ser pensado de uma forma mais completa, pensando em informalidade, sobretudo, mas existem boas discussões muito antigas no Brasil também sobre gastar mais com os idosos do que com as crianças. Há temas que eu acho que precisavam ser discutidos, que andam em paralelo ao mero impacto fiscal.

Valor: Desvincular benefícios previdenciários do salário mínimo não seria uma alternativa, ao permitir que ele tivesse reajuste real sem pressionar as contas públicas?

Fraga: Não tenho essa certeza. É mais ou menos consenso que dar aumentos além da produtividade traz problemas sérios no mercado de trabalho. A gente precisa discutir esse assunto. Como todo mundo quer tudo, vira um tabu. Mas não dá para todo mundo ter tudo. Não estaticamente. Você pode até arrumar o país para ele crescer. Se você olhar no horizonte de tempo mais longo, nesses quarenta e poucos anos, se a gente tivesse crescido 1% ou 2% ao ano, a renda per capita seria o dobro. Isso tem que ser feito. É uma guerra de guerrilha, mas precisa ser feito. E faz parte entrar nessa discussão.

Salário mínimo precisa ser pensado de uma forma mais completa”

Valor: O sr. citou uma reforma da Previdência. Qual seria o princípio?

Fraga: Com o passar dos anos e o envelhecimento da população, a Previdência vem mostrando um buraco cada vez maior. Essa tendência precisa ser revertida. Aí, precisa cuidar de muitos detalhes, mas inclusive idade de aposentadoria, casos especiais que foram deixados de fora na última reforma, que já foi bastante boa. Esse problema cresce em uma velocidade assustadora. Tem de mudar um pouco as regras mesmo, aposentar um pouco mais tarde, incluir todos os grupos, por aí vai.

Valor: E a reforma do Estado? Porque alguns especialistas dizem que, em termos de número de pessoal, ele já estaria no limite de funcionamento da máquina

Fraga: Talvez sim no governo federal; nos Estados e municípios, não.

Valor: Fala-se pouco sobre os entes subnacionais, mas boa parte do aumento recente no gasto está vindo daí

Fraga: Exatamente. Mas tem de entrar na discussão também. É dito que no modelo macroeconômico o que importa é o federal, porque está conectado com as questões monetárias etc. Não é bem assim, porque a gente já sabe que toda vez que tem um problema em algum Estado ou município, eles vão refinanciar a dívida. Tem uma conexão umbilical e isso não pode ficar de fora da discussão. E é coisa muito grande que, às vezes, a gente nem pensa no dia a dia, por exemplo: o número de municípios faz sentido? Provavelmente não.

Valor: Essas reformas que o sr. citou demoram para surtir efeito, mas o ganho de confiança pode gerar um efeito benéfico mais rápido?

Fraga: Totalmente de acordo. Acho que o impacto seria muito maior do que se imagina.

Valor: Discussões como essas devem ficar para um próximo governo, seja ele qual for, já que agora vamos entrar na corrida para 2026?

Fraga: É sempre difícil, mas, se a discussão já estivesse acontecendo, seria melhor. Já afetaria as expectativas. E eu sinto falta disso. Porque isso vai guiar um pouco as próprias campanhas. Hoje, apesar de a fotografia da economia ser boa, os sinais são de que o filme não é bom. Acho que estamos diante de mais uma situação em que houve um surto de crescimento, uma recuperação, mas, depois, a corda fica muito esticada e a coisa começa a ceder.

Link da publicação: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/05/08/tratar-fiscal-seria-virada-de-chave-para-vida-mais-tranquila-no-brasil-diz-arminio.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

CDPP