Ex-diretor do Banco Central avalia que tarifaço de Trump ampliou as incertezas nos Estados Unidos, o que deve impactar consumo e investimento
Estadão
Ex-diretor do Banco Central, o economista Alexandre Schwartsman avalia que as tarifas adotadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ampliaram a incerteza em relação à economia americana, o que tem potencial para impactar o consumo e os investimentos.
“E, com essa incerteza, você nunca sabe o que vai acontecer no dia seguinte. A confiança na economia americana tomou um golpe severo”, afirma Schwartsman, economista da Pinnotti & Schwartsman Associados.
Na avaliação dele, as tarifas são “um instrumento errado para tratar de um problema que não existe”. Schwartsman destaca que a existência do déficit externo nos EUA é resultado, principalmente, de um aumento do investimento, que tem levado a economia americana a crescer mais na comparação com outras nações avançadas.
“Ela (economia dos EUA) cresce mais rápido, porque tem um crescimento de produtividade e, ao longo dessas últimas décadas, esse crescimento foi muito maior do que o das demais economias desenvolvidas. O déficit externo é um problema? Não.”
A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Qual é a avaliação das políticas adotadas pelo Trump?
As tarifas do Trump são um instrumento errado para tratar de um problema que não existe. Qual é o problema que não existe? Tem uma percepção de que a existência de déficits comerciais seria um obstáculo ao crescimento americano e que os Estados Unidos estariam sendo roubados pelos parceiros comerciais. Há vários equívocos. O mais óbvio deles é o foco estreito na questão de bens. Deixa de lado todo o resultado positivo de serviços, mas, isso dito, se a gente ampliar um pouco o foco, tem, obviamente, um déficit externo.
Agora, o déficit externo ocorre basicamente porque a economia americana tem sistematicamente gasto acima do que ela produz. E ela não tem capacidade de produzir muito mais. Nos últimos anos, a gente vê a taxa de desemprego baixíssima nos EUA. Isso era verdade no período pré-pandemia e também foi verdade no período pré-crise do subprime. Se olharmos ao longo desse século, em que pese alguns momentos em que a taxa subiu por crise ou pandemia, de maneira geral, é um país que esteve sempre operando muito perto do seu potencial.
E por que os EUA gastam muito?
Em boa parte, porque a economia americana tem aumentado visivelmente o seu nível de investimento. No final do século passado e começo deste, os Estados Unidos investiam alguma coisa como 15% do PIB. Mais ou menos em linha com o que outros países desenvolvidos investem e, obviamente, menos do que os emergentes investem. De lá para cá, o investimento americano se aproximou de 20% do PIB. É uma economia que inova muito, tem um crescimento de produtividade extraordinário, e isso faz com que o investimento tenha crescido.
Parte da existência do déficit resulta também do aumento do consumo. E o aumento do consumo, nos últimos anos, é resultado de uma política fiscal bastante expansionista. Houve um volume de transferências para famílias. Mas boa parte disso é para financiar o volume de investimento que tem levado a economia americana a crescer mais rápido do que os seus pares desenvolvidos. E não é crescer mais rápido porque tem mais demanda. Ela cresce mais rápido, porque tem um crescimento de produtividade e, ao longo dessas últimas décadas, esse crescimento foi muito maior do que o das demais economias desenvolvidas. O déficit externo é um problema? Não.
E qual seria o instrumento correto se o governo quiser tratar essa questão como um problema?
Seria reduzir o gasto público, promover um ajuste fiscal. Isso elevaria a taxa de poupança e, ao elevar a taxa de poupança da economia, reduziria o déficit externo. Esse seria um instrumento correto. As tarifas vão funcionar? As tarifas, em si, provavelmente não. O que elas vão fazer é encarecer as importações. Mas, na hora que encarece as importações, não importa menos? Sim, importa menos. Por outro lado, se não resolver o desequilíbrio entre a demanda interna e o PIB, tem uma diferença que precisa vir de uma forma ou de outra. Ou vem reduzindo das exportações − exporta menos para sobrar mais produto para cobrir o déficit externo. Ou alguma coisa vai fazer essa moeda apreciar em termos reais para compensar as tarifas. Provavelmente, será alguma coisa no meio do caminho. É um instrumento errado para lidar com um problema que não existe. E aí tem, obviamente, consequências para o resto do mundo e algumas consequências para a economia americana.
Quais devem ser essas consequências?
Para o resto do mundo, em um cenário em que você põe tarifas nos seus parceiros, e eles impõem tarifas de volta, o que acontece é que o volume de comércio internacional cai. Quer dizer, aqueles ganhos que a gente obteve nas últimas décadas, ligados à globalização − basicamente, permitir que países se especializassem nas suas vantagens comparativas e que resultou num aumento de produtividade global −, se reverte.
Saindo um pouco do campo da economia e entrando em outros campos, tem um efeito no sentido de erodir a liderança americana, que perdurou desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Muda, dramaticamente, o balanço de forças. E isso num contexto em que a gente vê autocracias com as manguinhas de fora. A Rússia sendo o caso mais visível, mas, obviamente, a China, que está olhando tudo isso do alto da colina, sem maiores preocupações.
E as consequências para os EUA?
A gente começa a ter alguns problemas sérios. Primeiro, 60% ou mais do que os Estados Unidos importam não são bens de consumo. São bens intermediários, como peças, componentes, aço. À medida que isso encarece, significa uma perda de competitividade para a economia americana. Segundo, não são as tarifas em si, mas a maneira como elas estão sendo feitas. Você coloca a tarifa no México, aí suspende. Coloca na União Europeia, e aí suspende. Coloca as tarifas recíprocas, mas suspende por 90 dias. O fato é que ninguém sabe exatamente como vão se configurar essas tarifas quando as coisas estiverem mais ou menos se acalmando − se é que vão se acalmar.
O grau de incerteza sobre política comercial americana é gigantesco. Isso tem efeitos muito concretos. Em certo grau, a gente não sabe exatamente quanto, mas tem um efeito sobre o consumo. E isso também acaba levando a uma queda de investimento nos Estados Unidos. Dado que o investimento era o principal fator por detrás do déficit externo, a queda do investimento pode até reduzir o déficit externo, mas aí é a famosa vitória de Pirro. Com uma vitória como essa, você não sabe o que vai acontecer. É algo absolutamente desastroso.
E vai ser possível restabelecer a confiança no governo Trump?
Não, eu acredito que não. Primeiro, porque acho que a gente não vai voltar a uma situação como a que tínhamos antes do Trump. Podem dizer que as tarifas são usadas para fazer com que os demais países abrissem seu comércio. Isso poderia fazer sentido até você olhar em volta e ver que as tarifas que incidiam sobre exportações americanas nas maiores economias do mundo são absolutamente irrisórias. Em particular, nas manufaturadas, são tarifas muito baixas. Não é exatamente verdade no caso de agricultura. A agricultura é um bicho à parte, mas esse também não é o foco. Nunca foi. A manufatura, de maneira geral, já não tinha praticamente nenhuma tarifa relevante sendo cobrada na União Europeia, no Reino Unido, no México e no Canadá, inclusive, porque esses dois são membros da mesma união aduaneira. O fato é que ele não vai voltar. E, com essa incerteza, você nunca sabe o que vai acontecer no dia seguinte. A confiança na economia americana tomou um golpe severo.
Como fica o Brasil nessa história?
Diretamente, a gente não tem muito impacto. Os Estados Unidos são o nosso terceiro maior mercado. A gente também tem um balança comercial mais ou menos equilibrada com os EUA. O que acontece é que o efeito indireto é muito mais relevante. Se o comércio internacional encolher e a atividade econômica perder força, acaba impactando aqui. Somos uma economia relativamente fechada, mas fechada não quer dizer que estamos isolados. E tem outros canais mais difíceis de quantificar. A gente não sabe o que vai acontecer com commodities, não sabe o que vai acontecer com a inflação.
Agora acalmou um pouco, mas houve um aumento de aversão ao risco, que, tipicamente, leva a menores influxos de capitais para países emergentes. No caso do Brasil, que tem um déficit em conta-corrente na casa de 3% do PIB, pode ter algum efeito, não no sentido de pedir financiamento, mas o financiamento pode ficar mais caro. Tem alguns canais que podem nos afetar negativamente. Do lado positivo, tem uma questão de commodities e China. No caso de algumas commodities com as quais a gente compete com os Estados Unidos, notadamente a soja, pode resultar em um cenário positivo para o Brasil.
Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/entrevista-alexandre-schwartsman-tarifas-trump-instrumento-errado/
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