Lula cita Reagan e Thatcher, mas nada aprendeu com eles
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“Sou de uma geração que aprendeu, na década de 1980, por meio de Reagan e Margaret Thatcher, que a melhor coisa para o mundo era a globalização e o livre comércio. Os produtos deveriam fluir livremente pelo mundo. O dinheiro deveria fluir livremente pelo mundo”, disse Lula em entrevista à New Yorker na semana passada.
Afirmação, eu diria, curiosa do presidente, tanto à luz da sua retórica desde a década de 1980, como, principalmente, de suas ações em todos os seus mandatos.
Não foram poucas as oportunidades que apareceram para o Brasil no período em que Lula (ou mesmo Dilma) se encontravam na presidência da República, desde a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) em 2003-2005 até a Tratado de Livre Comércio com a União Europeia. Nenhuma destas vingou.
É verdade que outros potenciais parceiros, no caso da União Europeia, impuseram obstáculos, em particular no que se refere às exportações agrícolas para aquele mercado, mas, a rigor, o atual governo brasileiro jamais se empenhou em levar adiante medidas de liberalização comercial.
Hoje em dia, a tarifa média do Brasil, ponderada pelo volume de comércio, se encontra ao redor de 8%, elevada em comparação a outros países emergentes, como China (pouco mais de 2%), México (1,5%), Índia (6%), Indonésia (4%), ou, na nossa vizinhança, o Chile (1,5%).
Não são apenas as tarifas que limitam o comércio exterior, porém. Barreiras não tarifárias incluem licenciamento não-automático (farmacêuticos, químicos), regras sanitárias (alimentos), restrições setoriais (automóveis), regras digitais e de serviços (e commerce), além de burocracia e logística. O Brasil aparece em relatórios de OMC e OCDE como país com barreiras não tarifárias elevadas, pouco transparentes e com altos custos regulatórios internos.
Não por outro motivo, somos um dos países mais fechados ao comércio internacional dentre as economias grandes e médias, o que se traduz, entre outras características, em baixo – para não dizer inexistente – crescimento da produtividade os últimos anos, com exceção notável da agropecuária, não por acaso o setor mais integrado do ponto de vista de transações com o resto do mundo.
Isto dito, os ganhos associados à maior integração comercial não precisam de reciprocidade. É possível, aliás, recomendável avançar mesmo que unilateralmente nesta frente: se os demais países têm rochedos que dificultam o comércio, não precisamos fechar nossos portos com pedras.
Movimentos nessa direção nos anos 90 possibilitaram expansão mais robusta da produtividade, visível na década seguinte, inclusive na indústria de transformação, segundo estimativas de Fernando Veloso, embora ainda tenham ficado bem aquém do observado na agricultura.
No entanto, em todos os governos do PT o que se observou foram medidas no sentido contrário, isto é, de fechar ainda mais a economia à concorrência internacional, preservando empresas ineficientes, prejudicando tanto o consumidor local quanto nossa capacidade de crescimento de longo prazo. Não admitem sequer fazer parte da OCDE, quanto mais permitir que produtos fluam “livremente pelo mundo”.
Para alguém que alega ter aprendido com Reagan e Thatcher, Lula segue como um aluno relapso que se recusa a fazer a lição de casa.
Link da publicação: https://veja.abril.com.br/coluna/alexandre-schwartsman/um-aluno-relapso/
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