No ritmo atual de crescimento do aprendizado, levaríamos décadas para atingir o nível dos países europeus
Valor
Apesar de anos seguidos de mais investimentos e mobilização da sociedade, nossos avanços em termos de aprendizado dos alunos foram tímidos. Isso faz com que grande parte dos nossos jovens não tenham nenhuma perspectiva realista de uma carreira produtiva no mercado de trabalho. Quão distantes estamos do momento em que todos os nossos jovens terão as habilidades básicas para o mundo do trabalho? O que devemos fazer para atingir este ponto mais rapidamente?
Em uma pesquisa recente, o economista Eric Hanushek1 calculou a parcela de jovens que não têm as habilidades básicas para o mundo do trabalho em 159 países do mundo, usando as várias avaliações internacionais de aprendizado que existem atualmente. O padrão usado para definir estas habilidades básicas é que o aluno tenha conhecimento suficiente para atingir pelo menos o nível básico do Pisa, exame internacional realizado por alunos aos 15 anos de idade de vários países.
No Brasil, 66 % dos nossos jovens não atingem as habilidades básicas para o mundo do trabalho. Isto significa que 2/3 dos nossos jovens não têm as habilidades mínimas necessárias para terem alguma chance de sucesso na vida, especialmente num mundo em que as novas tecnologias de informação e inteligência artificial irão substituir os humanos em várias tarefas. É por isso que a maioria destes jovens acaba trabalhando em ocupações que não exigem estas habilidades, como entrega de comida por aplicativo, ou são “nem-nem” ou estão envolvidos com o crime.
No Brasil, 66% dos jovens não têm as habilidades mínimas necessárias para terem chance de sucesso na vida
É importante ressaltar que este problema não é só nosso, pois a situação é similar nos demais países da América Latina. A exceção é o Chile, aonde 44% dos jovens estão na faixa mais baixa. Mas as diferenças com relação aos países europeus são enormes. Nosso objetivo deveria ser alcançar pelo menos o nível destes países, em que somente 20% dos jovens não atingem o nível básico de habilidades. Na África, por outro lado, a situação é bem pior que a nossa. Na Nigéria, por exemplo, 94% dos jovens não têm as habilidades básicas.
Quando vistos sob esta perspectiva, nossos avanços recentes na qualidade de educação são tímidos. No ritmo atual de crescimento do aprendizado, levaríamos décadas para atingir o nível dos países europeus. O que podemos fazer para acelerar este ritmo? Em primeiro lugar, devemos reconhecer o fato de que, se vários países diferentes estão na mesma situação, o problema é bastante complexo. Muitos fatores interligados são responsáveis pelo baixo crescimento do aprendizado.
O primeiro deles é que muitas crianças ainda crescem em situação de alta vulnerabilidade nos países da América Latina. Cerca de 2/3 das crianças negras, por exemplo, têm algum problema sério que pode afetar o seu desenvolvimento, como viver na pobreza, em moradias inadequadas ou sem saneamento básico. Se as crianças não conseguem se desenvolver plenamente na primeira infância, não irão conseguir chegar na escola preparadas para aprender.
Além disto, em um nível mais macro, temos as questões ligadas ao nosso federalismo, que faz com que tenhamos 5.570 redes municipais de ensino responsáveis por alfabetizar as crianças e pelo seu aprendizado até o 5º ano. Estas redes podem adotar as políticas e programas que bem entenderem. Assim, se não quiserem tomar medidas duras e comprar brigas para que as crianças possam se alfabetizar, elas têm este direito. Isto é ainda mais problemático quando sabemos que o aumento do aprendizado não traz votos na próxima eleição. Os pais eleitores não conseguem discernir o quanto a mais seus filhos estão aprendendo, se eles mesmo não tiveram oportunidade de se educar. E eles não conseguem entender que o aprendizado é a variável mais importante para o sucesso na vida destes jovens.
Além disto, há incentivos para que novos prefeitos descontinuem programas educacionais existentes, mesmo os comprovadamente bem-sucedidos, para mostrar uma diferenciação com relação à gestão anterior. A solução para este problema não é acabar com o federalismo, que funciona bem em várias outras dimensões. Mas temos que responsabilizar os prefeitos que não conseguem progredir na alfabetização das crianças. E dar mais incentivos financeiros para os que conseguem.
No que tange aos professores, a situação é dramática. Muitos deles não tiveram oportunidades para obter uma educação básica de qualidade no passado. Além disto, sua formação no ensino superior, mesmo a presencial, deixa muito a desejar. Agora, a situação se agravou com a multiplicação de cursos de formação à distância. Várias pesquisas mostram que o EAD tem qualidade pior que o ensino presencial. Mas, para além das pesquisas, a nossa experiência com o ensino à distância durante a pandemia mostrou claramente a queda no interesse e motivação dos alunos, mesmo com professores esforçados. Numa área em que a experiência em sala de aula é fundamental, como está sendo a formação dos futuros professores?
Em termos de formação continuada dos professores, a maioria dos cursos atuais pouco acrescenta em termos de formação para a prática na sala de aula e acabam se tornando um meio para colecionar os certificados necessários para progressão na carreira. No caso dos diretores, sua formação também deixa muito a desejar, pois muitos são professores que progrediram na carreira, sem nenhuma formação em gestão. A avaliação de impacto de um programa recente de qualificação profissional dos diretores, focado em práticas gerenciais, mostrou impactos muito significativos na cidade do Rio de Janeiro.2
A solução é dar pequenos passos na direção correta, que somados poderão nos levar a um crescimento mais rápido do aprendizado. Começando por políticas que promovam o desenvolvimento infantil e o foco na alfabetização, passando pelo aumento da parcela de escolas em tempo integral, restrição ao EAD nos cursos de pedagogia, formação em gestão para os diretores da escola e terminando com responsabilização e incentivos para prefeitos e governadores.
1) “Global universal basic skills: Current deficits and implications for world development”, por Gust, Hanushek e Woessmann.
2) “Boosting Student Achievement through Cost-Effective Management” por Tiago Cavalcanti e Felipe Puccioni.
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/jovens-sem-futuro.ghtml
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.