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Há salvação para a indústria brasileira?

Precisamos tratar de déficit fiscal, o custo da dívida incluído, de sair da armadilha de uma taxa de investimento estagnada e rever profundamente renúncias tributárias na forma de incentivos fiscais e subsídios

Horacio Lafer, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski

Valor

Cerca de três anos atrás publicamos neste Valor texto que destacava a importância da indústria para o Brasil e a necessidade de sua revitalização para garantir o desenvolvimento econômico sustentável. Reiterávamos, então, o papel crucial da indústria na arrecadação tributária, na geração de empregos qualificados e na inovação tecnológica.

Nossa reflexão focava em três grandes mudanças:

1. Melhoria do ambiente de negócios, incluindo reforma tributária, melhorias logísticas e regulatórias, além de investimentos em educação, ciência e tecnologia.

2. Adaptação às novas tendências globais, como a economia digital e a transição para a economia de baixo carbono.

3. Maior integração internacional, permitindo que a indústria brasileira importe e exporte livremente, tornando-se mais competitiva.

Mostrávamos que, nos últimos 15 anos, o Brasil crescera, mas sua indústria perdera espaço, especialmente no mercado internacional, concluindo assim com a defesa de um novo direcionamento, com políticas voltadas para inovação, internacionalização ativa e sustentabilidade, aproveitando seu potencial de se tornar um grande fornecedor global de produtos com baixa pegada de carbono, com sua matriz energética renovável e biodiversidade.

O artigo concluía que a indústria brasileira teria de digitalizar-se e integrar-se às cadeias globais, lembrando, contudo, que a pré-condição básica para tal seria termos um país com uma economia sadia, com as contas equilibradas, e, em decorrência, com juros decentes.

Pois bem, desde então nossas questões de desequilíbrios fiscais e baixa produtividade, manchete da edição de 25 anos deste jornal, apenas pioraram. Nas discussões fundamentais, que passaram por reformas e acordos, embora tenha havido avanços nas áreas trabalhista e tributária, a soma de interesses cartoriais e lobbies já históricos aumentaram ainda mais seus malfeitos. E o Brasil, tão cheio de potencialidades, patina na imprevisibilidade e na insegurança jurídica que estupidamente insiste em não enfrentar.

Voltamos agora a insistir quanto aos espaços para um grande projeto de industrialização nacional, compatível com nossas potencialidades, ambicioso, mas realista, visionário, mas factível. Um projeto vinculado à nova economia, digital, sustentável, com disponibilidade de terras e energia limpa, talento, capacidade empreendedora e saberes.

Mas de partida, na economia nada de falar de equilíbrio primário: precisamos tratar de déficit fiscal, o custo da dívida incluído. De sair da armadilha de uma taxa de investimento estagnada. Da necessidade de um governo digital a favor, e não contra o cidadão, o empreendedor, as empresas de todos os portes. De uma economia integrada ao mundo, de um sistema de imposto de renda progressivo. De um suporte social à saída, não à permanência.

É preciso acelerar a agenda de reformas macro e microeconômicas. Já é ultrapassada a hora para a revisão profunda de renúncias tributárias na forma de incentivos fiscais e subsídios que deixarão de arrecadar em impostos federais 4,53% do PIB brasileiro em 2026 ou seja R$ 621 bilhões segundo o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias recém-enviado pelo governo ao Congresso Nacional. Esse valor cresceu entre 2014 e 2024 à impressionante e injustificável velocidade de 8,9% ao ano. Regimes especiais de tributação como Simples e Lucro Presumido, benefícios para o agronegócio e incentivos regionais como a Zona Franca de Manaus, são exemplos de disposições do sistema tributário brasileiro que pedem urgente revisão dentre esse leque de mais de 120 tratamentos especiais, chamados de gastos tributários.

A agenda para colocar o país no rumo de uma economia dinâmica e moderna é uma tarefa dura, razão pela qual necessitamos de coragem, visão de longo prazo, foco e firme determinação.

A COP30 está abrindo os olhos dos brasileiros para novas oportunidades, por meio do grande estoque de terras degradadas e o potencial de mercado para produtos novos, bioeconomia, minerais críticos, produtos alimentícios, farmacêuticos, madeireiros e transformados produzidos a partir de insumos que podemos gerar de maneira competitiva e com equilíbrio com a natureza. Um grande vendedor de créditos de carbono.

Claro que há muitos obstáculos a remover, como na regulação, na infraestrutura, e no custo de energia e gás natural. Os portos brasileiros, por exemplo, têm calado que não permite acesso a navios de grande porte. O gás natural brasileiro custa quatro vezes o americano. Há uma enorme concorrência desleal, com a crescente sonegação, falsificação, fraude, contrabando em várias áreas, como o de combustíveis, fornecimento de água e energia elétrica, de cigarros, de produtos da indústria têxtil, e em áreas como material desportivo, higiene pessoal e defensivos agrícolas. O grau de informalidade da economia brasileira atingiu níveis inaceitáveis. E por vezes parece que o mesmo ocorre com a complacência de parte dos poderes que deveriam combatê-la.

Há, por outro lado, avanços. O BNDES aumentou substancialmente o desembolso gerido com marcadores técnicos para a indústria, incluindo suporte à exportação, à inovação e a setores industriais como o de biocombustíveis e fármacos. A Finep, no biênio 2023/24, aplicou em inovação praticamente o dobro de recursos do que no biênio anterior. A Embrapii, com 93 unidades, já gerou mais de R$ 6 bilhões em projetos de inovação industrial.

Há ainda, embora distantes do ideal, avanços da área de saneamento, com a sua progressiva privatização.

E por fim, oportunidades para o Brasil no novo cenário geopolítico, advindo das ações do governo americano. O Brasil pode transformar-se na fonte de produtos e serviços que o mundo obtinha antes de lugares como os mesmos Estados Unidos ou outros países indiretamente atingidos pelo crescimento do protecionismo.

Temos potencial de crescimento, de inclusão social, de enriquecimento do país. E bons diagnósticos para a construção de soluções. Mas isso de nada resolverá se não nos desafiarmos, e encararmos a questão econômica com absoluta prioridade. Sem fazê-lo estaremos condenados à decadência, talvez lenta, mas mesmo que gradual, seguramente inexorável.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/ha-salvacao-para-a-industria-brasileira.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Pedro Passos