Entrevistas

‘Usar o IOF com fim arrecadatório é um abuso de poder’, diz Alexandre Schwartsman

Estadão

Ex-diretor do Banco CentralAlexandre Schwartsman avalia que o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) é “um abuso de poder” por se tratar de um tributo regulatório, mas que será utilizado pela equipe econômica com o objetivo aumentar a arrecadação para cumprir as metas fiscais.

“Não é um instrumento correto de se usar numa circunstância como essa. Acho que é um abuso do instrumento, é um abuso de poder”, diz Schwartsman, também consultor da Pinnotti & Schwartsman Associados.

Em entrevista ao Estadão, Schwartsman diz que a opção pelo uso do IOF mostra “um certo esgotamento do que se pode conseguir do ponto de vista de impostos de melhor qualidade” e evidencia uma agenda apenas arrecadatória da Receita Federal, sem que o órgão busque um sistema de impostos eficiente e a melhora da produtividade do País.

“O problema mais sério é que a gente tem um ministro da Fazenda que está comendo na mão da Receita Federal. Ele não está comendo na mão da Receita Federal agora, ele está comendo na mão da Receita Federal desde o começo do mandato”, avalia.

A seguir os principais trechos da entrevista.

Como avalia a medida do IOF?

Primeiro, eu acho uma arbitrariedade usar o IOF. Como se sabe, o IOF é um imposto regulatório. Ele está à sua disposição, em tese, porque tem alguns momentos em que você quer inibir determinados tipos de comportamento no mercado financeiro. Então, quer reduzir, por algum motivo ou outro, o ingresso de capitais, você coloca o IOF no câmbio. Nem sempre funciona, mas você coloca. Você acha que está tendo uma bolha de crédito, você tenta usar. Ele existe para lidar com esse tipo de problema.

E, para lidar com esse tipo de problema, há duas características importantes do IOF. Não precisa do princípio da anualidade. Pode entrar em vigor no próprio ano, porque, em tese, ele é feito para regular. E pode ser feito por decreto. Não precisa de participação do Congresso. Só que ele está sendo usado para um fim arrecadatório. E não tenho a menor dúvida a esse respeito, inclusive pela magnitude da coisa e porque, explicitamente, eles disseram isso, de que o IOF está lá para cumprir essa função. Não é um instrumento correto de se usar numa circunstância como essa. Acho que é um abuso do instrumento, é um abuso de poder. Se é para aumentar a arrecadação, esse negócio vai ter de entrar na mesma regra do resto: vai ter de ser aprovado pelo Congresso e vai ter de respeitar o princípio da anualidade.

E qual será o impacto dessa alta?

Vai ter um impacto devastador na questão do custo de crédito, em particular, para prazos mais curtos. Ele encarece muito para as pequenas e médias empresas, que dependem muito mais de capital de giro do que as empresas maiores. É uma solução mal pensada. E acho que mostra, por um lado, um certo esgotamento do que se pode conseguir do ponto de vista de impostos de melhor qualidade e tem um problema mais sério ainda. Vai me causar uma série de inimizades, mas o problema mais sério é que a gente tem um ministro da Fazenda que está comendo na mão da Receita Federal. Ele não está comendo na mão da Receita Federal agora, ele está comendo na mão da Receita Federal desde o começo do mandato. E a agenda da Receita Federal não é uma agenda de ter um sistema tributário justo, eficiente e que colabore para a produtividade do País. O que a Receita Federal quer é arrecadar, e dane-se o resto. Se ela cumprir a parte dela afundando o País, não tem o menor problema para ela.

No final das contas, houve uma decisão arbitrária e ruim para a economia, porque, na origem do problema todo, tem uma trajetória de despesa que está incompatível com qualquer meta fiscal ou com qualquer objetivo de estabilização da dívida num horizonte minimamente razoável. E, como eles não estão dispostos a encarar este desafio, entre outras coisas porque tem uma eleição para ganhar, o que acontece é que você vai ter essas barbaridades que estamos vendo.

E até quando o País aguenta não resolver a questão fiscal? Qual é o cenário que o sr. desenha?

Não dá para dizer qual é o timing. Às vezes, tem algum gatilho e o negócio vai embora. Mas, sem uma correção de rumo, a gente está com um problemaço. E o paradoxo dessa história toda − e não é uma opinião só minha, não − é que o mercado acha que o Lula vai perder a eleição ano que vem e vai entrar alguém para corrigir. Então, o negócio não vai degringolar. Como não vai degringolar, a gente segue o jogo. Obviamente, todo mundo dança, a música está tocando, só vai sentar quando a música parar. Só que a música está tocando alimentada a 7,5% de juro real.

O sr. citou a política arrecadatória da Receita, mas governo adota um discurso de justiça tributária nas medidas que propõe desde o início deste mandato. A mais recente trata da questão da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até 5 mil. O sr. enxerga isso?

Supostamente, a reforma tributária − e muita ênfase no supostamente − é neutra. Sou muito cético a esse respeito. Mas, de uma maneira ou de outra, a reforma tributária vai entrar em vigor daqui a x anos. Mesmo que ela aumente a arrecadação, isso vai ser materializado daqui a alguns anos, não agora, porque tem todo um período de transição muito longo. O que sobra mesmo é a sanha arrecadatória. Essa sanha existe. As regras do jogo estão assim. Eles aumentaram o imposto dos fundos exclusivos e lá fora e, agora, vêm com a questão da isenção. E estão contratando uma perda certa de receita. Não está absolutamente claro que o Congresso vai aceitar as medidas compensatórias que estão propondo. Tem uma sanha arrecadatória, mas tem uma eleição para ganhar também, sabe?

A medida do IOF traz algum impacto para a política de juros ou sobre os investimentos do País?

Nessa confusão toda, muito provavelmente, o Banco Central, que buscava um pretexto para parar (de subir) o juro, vai parar. Tem um impacto possivelmente grande sobre o crédito. Tem um pedaço da tarefa dele sendo feita pelo IOF, o que não é o ideal, porque, se fosse isso, o Copom teria de se reunir não para definir a taxa de juros, mas para definir o IOF. É meio esquisito.

Mas acho que também tem um efeito negativo nessa história toda, de os limites da política econômica estarem ficando absolutamente claros. Estou batendo nessa tecla há dois anos e meio, mas tem um pessoal que está chegando agora para a festa. E cada vez tem mais gente chegando. As pessoas estão olhando e vendo que o gasto não para de crescer, você (o País) está pagando um juro astronômico na sua dívida − diga-se de passagem, não tem nada a ver com o Banco Central, porque estou olhando para o juro de 10 anos, 15 anos −, e a trajetória do endividamento é crescente. Como você vai lidar com isso? O que se ouve do outro lado é só o som dos grilos.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/entrevista-alexandre-schwartsman-uso-iof-abuso-poder/

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