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Continua a marcha da insensatez?

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Na quinta-feira 22 de maio, o governo protagonizou um evento simbólico e, no mínimo, decepcionante. Pela manhã, as expectativas estavam voltadas para a divulgação do Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas. O mercado previa uma revisão tímida nas projeções da LOA 2025, com eventuais congelamentos escalonados de gastos ao longo do ano. Era o que tinha sido antecipado.

O que veio surpreendeu positivamente: o relatório foi mais realista, trouxe estimativas de receitas menos infladas e despesas menos subestimadas, e indicou um congelamento imediato de R$ 30 bilhões. Foi um sinal claro na direção da responsabilidade fiscal. A curva de juros respondeu bem. O dólar cedeu. O ambiente parecia de um certo alívio.

E então, na mesma tarde, o governo veio novamente com um “puxadinho”.

Uma medida provisória elevou a alíquota do IOF de 1,1% para 3,5% nas operações de compra de moeda estrangeira, além de majorar a tributação sobre remessas ao exterior feitas por pessoas jurídicas, encarecendo o acesso a crédito estrangeiro. O estrago foi imediato: o dólar disparou, os juros voltaram a subir e o mercado se perdeu em um aumento de volatilidade.

O IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) nasceu com finalidade regulatória. Ele existe para moderar fluxos, reduzir volatilidade e evitar desequilíbrios financeiros em momentos específicos. Ele não é e nunca foi desenhado para arrecadar permanentemente. Na realidade, a sua função vai na direção contrária à conversibilidade da moeda e o governo, para fins de equiparação às regras da OCDE, deveria abandoná-lo,

Mas o governo, pressionado por um quadro fiscal cada vez mais frágil, sem mais uma vez querer reduzir o gasto público e por um Congresso sem apetite para novos tributos, decidiu utilizar o IOF como atalho arrecadatório. E o fez por meio de decreto presidencial, uma facilidade legal que permite ajuste de alíquotas sem precisar de autorização legislativa, tampouco da observância de noventena, o que poderia gerar judicialização.

O problema não é apenas jurídico. É estrutural. Um imposto regulatório usado como substituto de política fiscal revela a total falta de estratégia para enfrentar as despesas, que continuam crescendo em ritmo acelerado, sustentando déficit, mesmo com arrecadação em máximas históricas.

O aumento do IOF atinge diretamente setores que dependem de operações cambiais e remessas internacionais. Estamos falando de fintechs, agências de turismo, fundos de investimento, multinacionais, empresas que importam serviços ou pagam royalties, instituições que contratam profissionais estrangeiros, importadoras e exportadoras, e empresas que acessam crédito externo para competir com os juros domésticos altos. Afeta a economia como um todo, não só o lado financeiro, mas também a economia real e o setor produtivo em geral.

Dobrar o custo de entrada e saída de moeda encarece operações legítimas, reduz margens, inibe investimentos e pode inviabilizar negócios inteiros. Em última instância, penaliza a competitividade e dificulta a integração do Brasil em cadeias globais de valor.

O paradoxo é gritante: o governo fala em apoiar pequenas e médias empresas, estimular inovação e modernizar a economia, mas impõe barreiras tributárias que vão exatamente na direção contrária.

A medida também contraria frontalmente uma agenda silenciosa, mas fundamental, que vinha sendo construída há pelo menos duas décadas: o projeto de livre conversibilidade do real.
Nos últimos cinco anos, houve avanços importantes: maior flexibilidade na legislação cambial, possibilidade de retenção de lucros no exterior, autorização para contas internacionais em moeda estrangeira, e redução da burocracia para operações de câmbio.

Nada disso implicava um câmbio 100% livre, “à lá Argentina” dos anos 90, mas apontava na direção certa: facilitar o acesso a ativos internacionais, permitir a emissão de dívida fora do país, e dar ao Brasil um sistema mais eficiente e confiável de relacionamento com o exterior.

A tentativa de aumento do IOF representa um retrocesso direto nesse processo. Ela sinaliza ao mundo que o país pode, a qualquer momento, reverter avanços e penalizar empresas que optam por se internacionalizar.

Para entender o porquê do IOF ser um alvo do governo, devemos analisar o contexto maior. O governo opera, atualmente, sob um cenário de baixa aprovação popular, inflação persistente, câmbio pressionado, juros elevados e um Congresso reticente. O espaço político para reformas estruturais, tanto do lado da arrecadação quanto da despesa, é praticamente nulo

Em vez de enfrentar a realidade, o governo opta por medidas fáceis de vender para a população geral, como a elevação do IOF. Uma medida populista. O raciocínio é simples: é possível arrecadar mais sem mexer com consumo direto, mantendo a narrativa de que “os ricos estão pagando a conta”.

Mas essa conta, na prática, é repassada para toda a economia. Aumentar impostos sobre operações financeiras afeta a produtividade, o investimento, o crédito e a integração econômica do país. É uma medida que sabota o crescimento e ainda ameaça judicialização, o que pode fazer com que a arrecadação esperada nem se concretize.

O que era para ser um sinal de responsabilidade fiscal virou um tropeço simbólico. A elevação do IOF foi recebida com perplexidade por quem entende a lógica do sistema financeiro, a fragilidade do ambiente empresarial e os riscos de instabilidade em mercados já voláteis.

Mais do que uma distorção técnica, a medida revela um padrão: o governo segue buscando arrecadação onde não deveria, porque não consegue ou não quer reformar onde precisa. Prefere atacar pontas frágeis, mesmo que isso signifique sufocar empresas, encarecer crédito e comprometer uma agenda cambial construída a duras penas.

Não é só sobre tributar o câmbio. É sobre negar o acesso a outros mercados, sabotar a eficiência e desistir do futuro em nome de uma arrecadação emergencial.

*Este artigo tem a co-autoria de Italo Faviano, economista da Buysidebrasil

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Sobre o autor

Luiz Fernando Figueiredo