Ainda segundo o presidente do BC, é preciso ter ‘estômago de crocodilo e queixo de pedra’ para aguentar o período com alta taxa de juros
Valor
O presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, afirmou que a economia segue apresentando uma resiliência “surpreendente”. Ele participou de evento promovido pelo Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) em São Paulo.
Galípolo afirmou ainda que o processo de desinflação deve se apresentar com dados que nem sempre vão andar na mesma direção. Segundo o presidente do BC, o momento é de reunir informações e “reforçar que a gente acredita na política monetária”.
Segundo ele, seguramente a taxa básica de juros migrou para um estágio contracionista, independentemente de qual seja o juro neutro. Ele afirmou que o processo de desinflação deve se apresentar com dados que nem sempre vão andar na mesma direção, mas que o “remédio”, ou seja, o aumento do juro, vai funcionar, no sentido de levar a inflação à meta.
O Comitê de Política Monetária (Copom) informou na última ata que a conjuntura de atividade doméstica “segue marcada por sinais mistos” sobre desaceleração. A ata ainda informou que se observa uma “incipiente” moderação no crescimento.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1,4% no primeiro trimestre deste ano ante o quarto trimestre de 2024. Economistas apontaram que o PIB deve desacelerar apenas no segundo semestre do ano.
“Estômago de crocodilo e queixo de pedra”
Galípolo foi questionado sobre como o BC procura se posicionar para evitar uma discussão prematura em relação ao próximo ciclo de política monetária, de flexibilização. Respondeu que, para não precipitar a discussão, a tentativa é de mandar a mensagem de que o estágio ainda é de discussão do ciclo de alta.
“Estamos em um estágio ainda anterior, estamos ainda discutindo o ciclo de alta e o que vamos tomar de decisão. Flexibilidade significa que estamos abertos e vamos chegar na próxima reunião para tomar a decisão sobre o que fazer”, disse Galípolo.
O presidente do BC disse que entende o mérito de quem propõe descrever algum tipo de “silver lining” (lado positivo de uma situação) ou fazer um cenário futuro, mas disse que “hoje, a recomendação é a gente tentar não se amarrar. Não se comprometer com algum tipo de guidance”.
Segundo Galípolo, a tentativa de criar “algum tipo de atalho” para ganhar credibilidade pode ser muito custosa se a trajetória tiver que ser revista. “É realmente um jogo de repetição e você consegue ir conquistando essa credibilidade a partir do fato de que suas ações e falas estão coerentes na persecução da meta”, disse.
Galípolo destacou que em nenhum momento a diretoria tinha pré-determinado até onde o Copom iria e qual seria a taxa de juros final. “Acho que a diretoria como um todo tinha bastante clareza desses movimentos. De que a gente estava fazendo um ‘front load’ do ponto de vista da taxa de juros, que existiriam defasagens a partir do ‘front load’ e que talvez mais dura do que a batalha das críticas que vão ser feitas pela elevação da taxa de juros é essa outra batalha, de ter estômago de crocodilo e queixo de pedra para aguentar o período com a taxa de juros em patamar restritivo, para ancorar as expectativas e perseguir a meta”.
“Cautela” e “flexibilidade”
Galípolo afirmou que a comunicação da política monetária nos últimos ciclos do Copom conseguiu durar mais tempo “porque a gente teve humildade de reconhecer a dificuldade de se enxergar a frente e fazer algum tipo de projeção”. Galípolo destacou a “cautela” e “flexibilidade” da política monetária.
Ao tratar das expectativas desancoradas, Galípolo afirmou que há uma discussão global sobre incerteza, mas o cenário é distinto entre os bancos centrais de outros países emergentes e o Brasil. No caso brasileiro, a “predominância da dinâmica é das idiossincrasias domésticas”. O presidente do BC destacou que o processo de desancoragem das expectativas de inflação no Brasil começou antes das discussões tarifárias dos Estados Unidos.
No caso brasileiro, o presidente do BC disse esperar que as ações que o BC vem tomando consigam falar por si sobre o compromisso da diretoria e da autoridade monetária com a persecução da meta.
“Seguramente a gente migrou para um estágio de uma taxa de juros que está contracionista com alguma segurança independentemente de qual é sua a taxa de juros neutra. Podemos discutir se ela está contracionista suficiente ou não e é por isso que a gente tem preservado nossa flexibilidade para poder consumir os dados e seguir nessa calibragem de qual é a taxa de juros terminal pra gente”, disse.
Galípolo destacou uma segunda dimensão sobre um debate de qual seria uma “eventual” função de reação da política fiscal a uma possível desaceleração da economia. O presidente do BC disse que parece, para ele, que essa discussão está presente nos diálogos com economistas e nos modelos, mas que não é simples para endereçar. “Você está pedindo para ser preventivo a algo que ainda não aconteceu”.
O presidente do BC afirmou que o que a autoridade monetária tem tentado fazer nos “diversos anúncios”, sejam aqueles vistos como estimulativos ou os que poderiam provocar aperto, “é reagir com mais parcimônia e não tentar se emocionar e não agregar mais volatilidade a esse processo”.
O presidente ainda afirmou que existe uma terceira discussão sobre o hiato do produto, uma medida de ociosidade da economia. “Acho que a discussão agora está muito mais sobre como o hiato vai se comportar daqui pra frente”, afirmou.
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