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Free jazz

A política econômica é uma sucessão de improvisos

Estadão

Adoro jazz. Gosto em particular dos improvisos, que considero um completo, embora fascinante, mistério. Por outro lado, confesso, quando um solo instrumental se estende por incontáveis dezenas de minutos, me parece mais diversão do músico do que algo que possa ser apreciado pela audiência. E, por diversão, ou não, o longo improviso na direção da política econômica é algo que absolutamente não me empolga.

Infelizmente, porém, esta tem sido a característica mais marcante do atual governo. Como no jazz, nasce de uma linha-mestra: a elevação sem precedentes das despesas do governo federal. Entre 2022 e os 12 meses terminados em abril deste ano o gasto federal aumentou nada menos do que R$ 227 bilhões (corrigidos pelo IPCA).

Este número, noto, não incorpora o pagamento dos precatórios atrasados ocorrido no final de 2023, ou seja, não pode ser atribuído às estripulias fiscais do governo anterior; o descontrole é criação autoral do atual, detalhe que não raro escapa à memória do ministro da Fazenda.

Uma vez que se sabe disto, torna-se óbvio o malabarismo fiscal para manter de pé o “arcabouço”; ou ao menos fingir que ele existe. Apostou-se no aumento de receitas, sabendo, contudo, da aversão que a sociedade demonstra ao aumento da carga tributária, visível já na rejeição à prorrogação da CPMF em 2007.

As gambiarras iniciais, como a mudança na composição do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que deu mais poder à Fazenda, não geraram as receitas esperadas, como, aliás, havia sido alertado por analistas independentes. A este improviso, portanto, seguiu-se outro: a majoração indiscriminada do IOF.

É claro, todavia, que – ofuscados pela fúria arrecadatória – os “técnicos” da Fazenda não consideraram todas as consequências da medida, seja que o IOF nas aplicações de fundos locais no exterior seria percebido como tentativa de controle de capitais, seja o peso desproporcional deste imposto sobre o custo das linhas de crédito de curto prazo, fonte do capital de giro das empresas.

Não por outro motivo, passaram pelo vexame de receber um ultimato do Congresso Nacional para voltar atrás nesta medida, não sem antes choramingar que falta dinheiro para pagar as despesas que o próprio governo aumentou, mas jurando que apresentarão novas propostas “na semana que vem”.

Dado o padrão de política econômica, espero mais um solo de tuba de 40 minutos. Há, por certo, quem goste, mas desconfio que a sociedade não há de ver a menor graça neste triste espetáculo.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/politica-economica-free-jazz-sucessao-improvisos/

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Alexandre Schwartsman