Folha
Recebi uma apresentação em powerpoint (PPT) com o título “Pacto pelo equilíbrio fiscal do Brasil: um desafio de todos nós”, sem logotipo do governo. Jornalistas confirmaram ser o material apresentado, pelo Ministério da Fazenda, em reunião recente com lideranças do Congresso.
O título não poderia ser melhor: estamos todos no mesmo barco, que ora faz água. É hora de priorizar o interesse coletivo, limitando os interesses individuais, partidários, regionais ou corporativos. Necessitamos de um pacto para resolver o déficit fiscal crônico, que mantém o país preso na armadilha da renda média, e com muitos pobres.
Esse pacto envolve renunciar a direitos que foram criados ao longo dos anos, mas que oneram o país. É preciso limitar as emendas parlamentares, os aumentos reais para aposentadorias, os seguidos refinanciamentos de dívidas estaduais, as políticas públicas de alto custo e pouco benefício, a correção automática de despesas pelo índice de variação da receita.
Temos a missão de mudar a cultura de que o Orçamento é um pote de que cada um tenta tirar uma renda.
Daí a importância do título do PPT: um pacto, um desafio de todos nós!
Contudo, a minha animação com o documento esvaiu-se na segunda página. Aqueles que no título pedem pacto e união nos oito slides seguintes dedicam-se a culpar governos anteriores pelo desequilíbrio atual, com uso seletivo dos dados e nenhuma autocrítica.
Afirma-se, por exemplo, que entre 2010-2014 (governos Lula e Dilma) a despesa média foi de 17,5% do PIB, tendo aumentado para 19,5% no período 2015-19 (desde a renegada gestão Levy até o início de Bolsonaro). O problema dessa conta é que o governo Dilma acabou em maio de 2016, não em 2014, e deixou despesas crescentes (algumas fora do Orçamento), que não podiam ser revertidas de imediato. Também derrubou o PIB, o que aumentou a relação despesa/PIB. Com isso, ao final de 2016, a despesa bateu em 19,9% do PIB.
Em outro trecho, responsabiliza o governo Bolsonaro pela emenda constitucional que aumentou o Fundeb. Todos os partidos votaram maciçamente a favor dessa PEC, como costuma acontecer com as distribuições de “bondades”. Em reuniões e audiências, alertei para os problemas, enquanto parlamentares, inclusive do PT, a defendiam veementemente.
Os benefícios tributários são mostrados em um gráfico em que se indica a sua disparada a partir de 2021. Mas os dados estão em valores nominais, para diminuir as cifras do governo Dilma. E não há uma palavra sobre as 55 desonerações instituídas em 2023 e 2024, com custo de R$ 89 bilhões só em 2025, conforme dados oficiais da Receita Federal. Foram instituídas por iniciativa do Executivo 67% delas.
O PPT tenta deslocar no tempo o aumento do déficit estrutural, de 2023 e 2024 para os dois anos anteriores, adotando-se metodologia heterodoxa, não submetida a consulta pública e, por isso, ignorada pelos profissionais da área.
Essa postura não ajuda. Em vez de procurar supostos culpados, precisamos reconhecer que o gasto público aumenta sistematicamente por quatro décadas. Mesmo governantes austeros teriam dificuldade para equilibrar as contas, em contexto de alta judicialização das políticas públicas, perda de poder do Executivo diante dos demais Poderes, envelhecimento populacional, avanço dos estados e municípios sobre as finanças federais.
Quem quer pacto e cooperação, em vez de apontar dedo e distorcer dados, deve reconhecer erros, para ter autoridade para propor sacrifícios compartilhados.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2025/06/o-ppt-do-pt.shtml
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