Estadão
Diante da deterioração visível – e, aliás, admitida – das contas públicas federais, fruto direto do aumento massivo de gastos sob sua gestão, o ministro da Fazenda, talvez exasperado pela resistência do Congresso a mais uma derrama fiscal, tomou uma atitude: botou a culpa no governo anterior.
Segundo Haddad, o superávit de então foi construído com “calote” nos precatórios, venda de estatais — o que é incorreto: venda de ativos não entra no cálculo do resultado primário – e “tunga” do ICMS (que aumenta o déficit, mas deixa pra lá), dentre outras manobras. E prometeu que, com nova rodada de tributos, o governo apresentaria “superávit estrutural” já no ano que vem.
Tais afirmações devem ser confrontadas com números e a menção ao “superávit estrutural” é mais do que apropriada para esse fim. O que é, porém, o resultado estrutural das contas públicas?
Há, como se sabe, despesas e receitas que não ocorrem recorrentemente, como as ligadas a catástrofes naturais (pandemia, enchentes), ou a concessão de uma bacia petrolífera. São assim descontadas dos resultados observados para que tenhamos uma visão mais clara do que é persistente em termos do balanço fiscal.
Além disso, tanto receitas como despesas podem ser afetadas pelo estado da economia num determinado momento; por exemplo, a arrecadação vai bem quando a atividade está aquecida e perde força em caso contrário. Assim, uma avaliação mais precisa das contas públicas tenta “limpar” o resultado dos efeitos dos altos e baixos da economia.
O resultado, livre de fatores excepcionais e ajustado ao ciclo, é o que se chama de “estrutural”.
Com um tanto de ciência e outro tanto de experiência, a Instituição Fiscal Independente, IFI, órgão apartidário ligado ao Senado Federal, produz estimativas do resultado estrutural. A metodologia é pública e, se não há consenso (fenômeno comum na disciplina), seu trabalho é reputado como sério.
Se o ministro estivesse certo, as estimativas de resultado estrutural da IFI deveriam registrar piora ao longo do governo passado. Todavia, revelam o oposto: houve déficit estrutural nos dois primeiros anos, seguido de superávits na segunda metade do governo, 0,6% e 0,3% do PIB.
Por outro lado, nos dois primeiros anos do atual governo foram registrados déficits de 1,4% e 1,7% do PIB respectivamente.
Se o ministro deseja mesmo um superávit estrutural, o caminho não é reinventar o passado, mas controlar o presente — começando pelos gastos do próprio governo. A César, afinal, o que é de César.
Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/cesar-estrago-financas-publicas-aumento-gastos-governo-lula/
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