Impacto do IOF é bem mais pesado para quem ganha menos, precisamente o oposto do que alegam os paladinos da ‘justiça tributária’
Estadão
Após fragorosa derrota no Congresso, concretizada com a anulação do decreto que havia elevado o IOF para tentar cobrir parte do buraco orçamentário de 2025, o governo adotou uma abordagem em duas frentes para lidar com o problema.
Como noticiado, recorreu ao STF para tentar reverter, no campo judicial, a surra política. Não sendo da área, pouco tenho a comentar acerca das possibilidades de sucesso da iniciativa, além do óbvio: a decisão do STF terá muito pouco a ver com a Constituição, como, aliás, tem sido o caso há tempos.
Já na outra frente, articulou uma ofensiva política, por um lado rotulando o Congresso como “inimigo do povo”, tipo de retórica perigosa, ainda mais para aqueles que ao longo da última campanha presidencial posaram como “defensores da democracia” (a meu favor, essa lorota eu não engoli).
Por outro lado, vende a elevação do IOF como medida de “justiça tributária”: o aumento do imposto afetaria apenas “o morador da cobertura”, para usar a expressão temperada do ministro da Fazenda; os pobres não seriam afetados, ou melhor, seriam menos afetados.
O argumento não para em pé. Segundo os dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), feita pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), as famílias mais pobres são mais prejudicadas por medidas que elevem o custo do crédito do que as mais ricas.
Em novembro do ano passado, 81% das famílias na faixa de renda de 0 a 3 salários-mínimos se encontravam endividadas. Já no extremo oposto (renda superior a 10 salários-mínimos) esta proporção caía para 67%. Entre os mais pobres, 37% estavam inadimplentes; entre os mais ricos, 15%.
Dito de outra forma, o comprometimento da renda com o custo da dívida é muito maior nas faixas de renda mais baixa, ou seja, o impacto do IOF é bem mais pesado para quem ganha menos, precisamente o oposto do que alegam os paladinos da “justiça tributária”.
A lição que se tira disto — além, é claro, do notório pouco caso dos nossos policymakers com o rigor analítico — é que, como de hábito, a realidade interessa muito pouco; o que vale, para variar, é a “narrativa”.
A ideia de que um imposto sobre operações financeiras recai mais que proporcionalmente “nos ricos” gera memes, inclusive versão modernizadas do infame vídeo sobre a independência do BC usado em 2014 para desmoralizar… Marina Silva, mas não encontra eco na realidade.
Fica cada vez mais claro que tudo se resume à campanha de 2026. Enquanto isso, nenhuma questão séria corre o risco de ser tratada.
Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/iof-narrativa-imposto-respaldo-realidade/
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