Lula resolveu reeditar o ‘nós contra eles’, só que a realidade mudou nestes 30 anos; estão todos cansados de pagar, e não receber, e Brasília segue se locupletando
Estadão
O “nós contra eles” está de volta. Lula gosta mesmo de uma polarização. Inventou esse jogo em 1994, quando percebeu o sucesso do Plano Real. Deu ruim: perdeu de lavada duas eleições. Quando emplacou em 2002, tratou logo de inventar a narrativa da “herança maldita”, dando o pontapé na polarização. Com o suicídio do PSDB, entrou Bolsonaro na briga. Ganhou em 2022 com apoio de uma frente ampla, mas resolveu montar um governo essencialmente petista com supostos aliados do Centrão. Não funcionou. Fora a aprovação da PEC da Transição e da reforma do IVA, pouca coisa foi aprovada.
A briga do IOF é apenas mais um capítulo do embate entre Executivo e Legislativo. Em resposta, Lula resolveu reeditar, de forma ainda mais radical, o “nós contra eles”. Só que a realidade mudou nestes 30 anos.
A população não está interessada nas futricas de Brasília, se Motta ligou para Haddad ou não. Quer saber se os impostos que paga vão melhorar sua vida, resolver a fila do SUS, reduzir a violência ou facilitar seus negócios. Quer empreender, e não um Estado-babá.
E “Brasília” segue olhando para o próprio umbigo. O Legislativo aumenta o número de parlamentares, e a reação é imediata: se 513 não fazem nada por nós, por que precisaríamos de 531? Do lado do Judiciário, os supersalários cresceram 49%, com impacto de R$ 10 bilhões em 2024. O Executivo criou 273 cargos em estatais, preenchidos por indicações políticas. Enquanto o presidente do BNDES terá 38 assessores à sua disposição, o contingenciamento feito pelo Tesouro desmonta as agências reguladoras. Elas têm a função de fiscalizar a qualidade do serviço prestado em concessões como energia elétrica, que afetam diretamente nosso dia a dia. E subsídios desnecessários e regressivos vão sendo renovados pela força dos lobbies.
Não é à toa que a reação ao aumento de impostos é imediata. Lula concentrou seu discurso na velha luta de classes: rico não quer pagar imposto. Sim, o País precisa, urgentemente, de uma verdadeira reforma do IR para reduzir a profunda regressividade do sistema. Teria o apoio da sociedade, como na reforma tributária do IVA.
O governo erra porque não é só o andar de cima que não gosta de imposto, é todo mundo: da base ao topo da pirâmide. Já deveria ter ficado claro com a reação à taxação das blusinhas e a confusão do Pix. Tem “planejamento tributário” em todos os setores e níveis de renda, como no MEI e no Simples. A pejotização é caminho sem volta, e trabalhadores de aplicativos não querem ser CLT.
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