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‘Brasil não tem nem margem para responder a esse momento externo adverso’, diz economista

Economista e diretora do Cindes, autora do mais recente livro do Centro de Debate de Políticas Públicas, diz que País deve evitar qualquer movimento de retaliação aos EUA ou de fechamento da economia

Estadão

Brasil deve evitar novos movimentos de fechamento da economia, diz Sandra Rios

A economista Sandra Rios avalia que o Brasil pode dar “um tiro no pé” se optar por adotar medidas protecionistas em resposta ao tarifaço promovido pelo presidente dos Estados UnidosDonald Trump. Na segunda-feira, 7, o governo americano começou a anunciar as tarifas individuais de cada parceiro comercial.

“A primeira coisa importante é evitar novos movimentos de fechamento da economia brasileira. Quer dizer, o Brasil não tem nem margem para responder a esse momento adverso externo, em que, eventualmente, vamos ser sobretaxados nos Estados Unidos. Isso seria dar um tiro no pé. Seria aumentar ainda mais o arsenal de proteção que a gente já tem”, afirma Sandra.

Diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), Sandra é uma das autoras do livro Integração Comercial Internacional do Brasil, lançado recentemente pelo Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) e que pretende ser um guia com propostas para que o próximo governo avance na internacionalização da economia brasileira, fundamental para que a produtividade do País volte a crescer e melhore o desempenho do País.

“Eu acho que o Brasil chega no momento atual, em que o cenário internacional se torna mais adverso, numa posição muito desfavorável, porque o País já tem um grau de proteção muito elevado, mesmo para os padrões atuais”, afirma.

De acordo com a economista, a proposta do livro não é de uma abertura comercial radical. A ideia é que o Brasil implemente as medidas que possam levar a tarifa de importação a 6% – hoje ela é ao redor de 12% e distante de países com características econômicas parecidas.

“O Brasil fez o seu último movimento de abertura comercial e, portanto, de integração com o mundo no início da década de 90″, diz.

“Para o Brasil voltar a crescer, é preciso recuperar o crescimento da produtividade, que está estagnado há décadas, particularmente, a produtividade da indústria e dos serviços. Há uma vasta literatura que mostra que há uma relação direta entre o grau de proteção à indústria e aos serviços e o desempenho da produtividade”, acrescenta.

A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão.

O Brasil ficou para trás na internacionalização e, agora, o mundo está mais difícil. Como a sra. avalia essa situação?

Eu acho que o Brasil chega no momento atual, em que o cenário internacional se torna mais adverso, numa posição muito desfavorável, porque o País já tem um grau de proteção muito elevado, mesmo para os padrões atuais.

E não estamos falando só de medidas tarifárias?

O Brasil tem tarifas altas, mas também é um forte usuário de medidas de defesa comercial, como antidumping, por exemplo. O Brasil aplica um número de medidas antidumping desproporcional ao seu grau de inserção internacional e às suas importações. O Brasil é um usuário bastante forte de barreiras chamadas não tarifárias, como procedimentos aduaneiros complexos, licenciamento não automático de importações, normas técnicas e regulamentos técnicos que não são compatíveis com regulamentos internacionais e que dificultam as importações. Há uma série de regulações que são, muitas vezes, desenhadas para dificultar a importação. Isso não é só para bens, vale para serviços também.

A isso se adicionam as medidas de política industrial e que voltaram agora com mais ênfase, como o Nova Indústria Brasil, que também incorpora elementos voltados para estimular o conteúdo local, evitando a concorrência estrangeira. O acesso a determinados benefícios depende do adensamento das cadeias de valor, do porcentual de insumos e produtos que são integrados ao processo produtivo e que têm produção doméstica.

O que o Brasil pode fazer nesse cenário?

A primeira coisa importante é evitar novos movimentos de fechamento da economia brasileira. Quer dizer, o Brasil não tem nem margem para responder a esse momento adverso externo, em que, eventualmente, vamos ser sobretaxados nos Estados Unidos. Isso seria dar um tiro no pé. Seria aumentar ainda mais o arsenal de proteção que a gente já tem. Em primeiro lugar, é preciso ter consciência e promover esse debate. Essa visão, no Brasil, de que a gente deve privilegiar a produção doméstica e que o Brasil precisa produzir todos os elos da cadeia produtiva é muito arraigada. Eu acho que é importante ter clareza de que essa opção de política comercial e de política industrial, com esse viés de proteção, acabou levando o Brasil a essa situação que a gente tem hoje. Temos uma indústria bastante diversificada, relativamente sofisticada, mas pouco competitiva e que precisa de proteção e da perpetuidade dessa proteção para se manter. É com isso que a gente tem de se confrontar. Nesse ambiente, eu acho que a ideia de que você vai lidar com as barreiras que estão sendo impostas no exterior aumentando o seu arsenal de proteção doméstica é um equívoco. Isso só faria mal para a própria economia brasileira e para a própria indústria brasileira.

A ideia do livro é fomentar esse debate para ir preparando uma reforma mais abrangente que seria implementada, idealmente, por um novo governo. É um novo governo independente da orientação política que venha a ter, mas é porque abrir a economia requer uma decisão política e é mais fácil de ser implementada em um mandato presidencial. Por isso, propomos um conjunto de medidas a serem adotadas num prazo de quatro anos e que seriam previamente anunciadas com transparência e previsibilidade.

E como o Brasil se tornou fechado ao comércio internacional?

O Brasil fez o seu último movimento de abertura comercial e, portanto, de integração com o mundo no início da década de 90. Foi ali, nos cinco primeiros anos da década de 90, que a gente fez a abertura unilateral, a liberalização do Collor. Foi também nos primeiros cinco anos da década de 90 que nós criamos o Mercosul e que participamos ativamente da Rodada Uruguai, do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, na sigla em inglês), que criou a OMC (Organização Mundial do Comércio) e promoveu a última rodada multilateral de liberalização comercial.

Esses movimentos colocaram o Brasil, em termos de grau de abertura e proteção da produção doméstica, em linha com outros países de semelhante desenvolvimento econômico. Digamos que o Brasil, no início da segunda metade da década de 90, estava relativamente bem posicionado para fazer um novo movimento de inserção internacional. O problema é que nós ficamos ali e não fizemos outros movimentos de integração internacional, não fizemos mais nenhum movimento de abertura da economia, nem unilateral nem em termos negociados.

O Brasil perdeu o bonde. Não só perdeu esse bonde, como o Brasil insiste em políticas de promoção da produção doméstica e em cadeias. Ou seja, a ideia de que você tem de produzir o máximo possível domesticamente e, de preferência, com integração vertical. Isso não é compatível com a inserção internacional. Ela requer justamente que você aceite alguma especialização e que você aceite colocar suas fichas em segmentos em que há mais capacidade competitiva, em troca de absorver produtos e serviços produzidos no exterior com mais eficiência.

Como convencer a sociedade da importância dos benefícios da economia?

O fio condutor que inspirou essa iniciativa do CDPP e que passa por todos os artigos publicados no livro é o fato de que, para o Brasil voltar a crescer, é preciso recuperar o crescimento da produtividade, que está estagnado há décadas, particularmente, a produtividade da indústria e dos serviços. Há uma vasta literatura que mostra que há uma relação direta entre o grau de proteção à indústria e aos serviços e o desempenho da produtividade. O Brasil está esgotando o seu bônus demográfico, o que significa que, para voltar a crescer, com aumento de salário real, a gente precisa ter ganhos de produtividade. Só com ganhos de produtividade é que é possível aumentar os salários em termos reais, sem gerar inflação. Então, o elo direto com a produtividade é muito claro.

Mas tem um outro fator que é muito importante também, que é o bem-estar social. E há uma série de estudos que mostram que a abertura comercial leva ao aumento do bem-estar social pela via da redução de preços e do acesso a insumos e produtos finais de melhor qualidade. Então, essa mensagem é a que a gente precisa passar para a sociedade.

E como convencer os empresários? Muitos se beneficiam dessa proteção

No caso dos empresários, a gente já tem visto, no período mais recente, um certo conflito de interesses dentro dos segmentos, dentro de cadeias produtivas. É uma coisa que não aparecia muito. Outro dia, tinha publicado no jornal um anúncio da Abiplast, que reúne os fabricantes de produtos de plástico, reclamando contra o aumento das tarifas de produtos químicos, que são insumos para os plásticos. Eu acho que, aos poucos, vai ficando claro que essas políticas têm custo e que, se a gente quer promover a maior inserção da economia brasileira no contexto global, precisamos fazer alguma coisa em relação a isso.

Na avaliação da sra. ao se internacionalizar,o Brasil pode se destacar?

Tem um movimento bastante importante que o Brasil pode aproveitar, que é essa busca por energia abundante e verde. O Brasil tem uma matriz bastante limpa e boa capacidade de oferta. É claro que precisa melhorar a regulação do setor elétrico, mas, ainda assim, a gente tem uma grande oportunidade. Tem dois vetores de mudanças e transformação que o mundo está passando e que o Brasil pode aproveitar. Uma é essa: a descarbonização, a transição verde. A outra é digitalização, que também conversa, de alguma maneira, com a descarbonização. O Brasil tem sofisticação suficiente, centros de pesquisa, empresas relativamente bem estabelecidas que, numa cooperação entre centros de pesquisa e universidades, podem aproveitar nichos desse processo de digitalização.

Essas oportunidades estão aí e independem dos governos. Você pode ter idas e vindas. É claro que, no atual governo dos Estados Unidos, talvez, essa agenda verde sofra um pouco de baixa, mas o mundo vai nessa direção, e a gente tem como aproveitar esse movimento.

Há sempre um discurso de que uma abertura vai quebrar vários setores. A proposta é que seja algo gradual, algo como um Plano Real para a internacionalização do Brasil?

A ideia é que você tenha um programa que seja anunciado no dia 1 (de governo). É claro que tem aí algumas questões que o governo vai ter de preparar. Por exemplo, não se pode promover uma abertura unilateral sem combinar com os parceiros do Mercosul. Tem algumas questões que precisam ser tratadas logo no início do governo para viabilizar esse programa. Mas esse programa deve ser anunciado antes de ser implementado, deve ter suas etapas respeitadas. Não é uma proposta de abertura que vá eliminar a proteção à indústria nacional. O que a gente está propondo é levar o grau de proteção da indústria brasileira a níveis parecidos com os seus pares no mercado internacional. E, por pares, estamos falando de outros países de grau de desenvolvimento semelhante. Não estamos propondo levar, por exemplo, o grau de abertura da economia brasileira aos níveis médios da OCDE. A ideia é que o Brasil chegue no final desse processo de abertura com uma tarifa média em torno de 6%, comparado a 4,4 da OCDE.

Não é um grau de abertura radical. A gente propõe que essa abertura seja acompanhada pela negociação de outros acordos de preferências comerciais, que devem seguir um outro caminho. A implementação de uma série de iniciativas nessa área das barreiras não tarifárias, também, para buscar uma maior convergência com o que o resto do mundo pratica. A nossa preocupação não é salvar empresas ou setores que vão ser mais afetados, porque as próprias empresas têm de buscar os seus caminhos, eventualmente, alguma adaptação. O capital vai migrar de um segmento para outro. Mas é claro que a gente tem de ter preocupação com os trabalhadores dos segmentos mais afetados, que poderão levar algum tempo para se recolocar no mercado de trabalho. O livro tem um artigo que busca discutir políticas de suporte a esse processo.

A gente não considera que essas reformas sejam uma panaceia. Elas, sozinhas, não vão resolver o problema do retorno da produtividade e da competitividade, mas elas são reformas necessárias. Elas devem vir junto com um conjunto de outras reformas. Tem de implementar a reforma tributária, que já está nos primeiros passos. Para aproveitar o powershoring, tem de fazer a reforma do setor elétrico. É um conjunto de políticas num arcabouço mais abrangente que precisa avançar, sendo que, talvez, a educação seja o vetor principal.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/entrevista-sandra-rios-diretor-cindes-cdpp-momento-externo/

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