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À beira da ingovernabilidade

Ou fazemos uma concertação consequente ou o Brasil ficará do tamanho de Brasília

Horácio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski

Folha

Há indícios por toda a parte! Na sociedade, nos três Poderes, na opinião pública, na imprensa. O país avança rapidamente para uma condição próxima à ingovernabilidade.

Comecemos pelo Orçamento, em déficit estrutural mesmo antes de incluídos o quase R$ 1 trilhão que se paga anualmente apenas para cobrir os juros da dívida pública. O governo já não funciona: as agências reguladoras acéfalas e à míngua, as Forças Armadas sem combustível, aviões da FAB parados por falta de peças, o Ibama, a CVM, o Cade, a Embrapa, o Inpi, as universidades federais e tantas outras instituições públicas à beira da paralisação.

De outro lado, financiam-se declarados pescadores artesanais, como se a pesca fosse a única atividade sazonal da economia brasileira. No Maranhão, por exemplo, há registrados 500 mil trabalhadores dessa categoria.

O Executivo encaminha ao Congresso a Lei de Diretrizes Orçamentárias, que, segundo a Instituição Fiscal Independente, aponta para o esgotamento total dos recursos discricionários já a partir de 2027, sem sugestão de caminho alternativo, e transfere o problema para o próximo governo.

Congresso Nacional, por sua vez, aumenta o número de deputados, acumula aposentadorias e salários e insiste nos mais de R$ 50 bilhões em emendas parlamentares. Outra anomalia exemplar, segue derrubando vetos presidenciais aos jabutis que interesses poderosos introduziram em projetos de lei, demonstrando a fragilidade crescente do Poder Executivo federal.

O Poder Judiciário é lento e caríssimo. Consome 1,33% do PIB, o dobro da média mundial. As chamadas “verbas indenizatórias” somaram R$ 10,5 bilhões em 2024; penduricalhos que excedem o teto do funcionalismo e os juízes federais e estaduais que os recebem não pagam Imposto de Renda sobre esses valores. A insegurança jurídica paralisa investimentos.

E vai piorar. Há despesas contratadas pelo Congresso há vários anos que gerarão efeitos de agora em diante. O Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), por exemplo, exigirá R$ 68 bilhões, em 2026, ante R$ 39 bilhões em 2023. O mesmo ocorre com o FPM (Fundo de Participação dos Municípios), que passará de pouco menos de R$ 2 bilhões em 2023 para quase R$ 10 bilhões em 2026.

Há saída? Certamente, mas inevitavelmente dolorosa. Conceitualmente simples, operacionalmente difícil.

Para tal, em algum momento o Brasil terá que, entre outras ações:

– ajustar o gasto público à realidade orçamentária, reformando (mais uma vez) a Previdência e revendo a forma de cálculo dos benefícios sociais;
– fazer com que o Imposto de Renda seja de fato progressivo, incluída a agricultura brasileira, tributando dividendos e reduzindo paulatinamente os chamados gastos tributários;
– aumentar a eficiência do setor público, em particular da saúde e da educação, já que não há hoje relação direta entre o volume de gastos e os resultados, ao tempo em que valoriza e premia o bom servidor público;
– fortalecer o sistema de ciência e tecnologia e ajudar a indústria a se modernizar, incorporando a digitalização e a sustentabilidade, levando a que esta se integre ao mundo.
– voltar o país ao primado da lei, na organização fundiária, no combate ao crime organizado, à fraude e à sonegação, que comprometem a receita do Estado e a concorrência leal.

O Brasil tem toda a condição de recuperar o seu grau de investimento, atraindo volumes ainda maiores de capital estrangeiro, desde que a taxa de juros caia substancialmente. Mas isso não ocorrerá por força da vontade dos brasileiros, e sim da construção de um país com economia equilibrada, impostos razoáveis e uma distribuição apropriada de poder entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

É uma ambição compatível com os nossos recursos, com o talento de nossa população e com a nossa posição geopolítica potencialmente imbatível.

Ou nos ocupamos de uma vez, e rapidamente, de uma concertação consequente ou o Brasil se tornará do tamanho de Brasília. Passaremos os próximos anos lamentando o tanto que deixamos pelo caminho, tropeçando na incerteza viva de nosso potencial.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2025/07/a-beira-da-ingovernabilidade.shtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Pedro Passos