O PT de ontem criou as isenções de impostos de hoje
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Na tentativa de recuperar a popularidade de Lula, ou, no entender do cientista político Carlos Pereira, ao menos se manter como força hegemônica na esquerda, o PT — logo, o próprio governo — usa o truque mais manjado da história: cria um “inimigo do povo”, atiçando a fogueira da polarização. Embora o lema do governo, prestes a ser abandonado, seja União e Reconstrução, não devemos ter o primeiro, portanto, nem o segundo.
O mote agora é “ricos contra pobres”, em particular na dimensão da suposta “justiça tributária”. O que, todavia, não se menciona é o papel dos governos do PT na criação de tudo aquilo que agora lhe parece ser conveniente classificar como “injustiça”. A começar pela monumental expansão das renúncias tributárias. Quando Lula assumiu a Presidência em 2003, as renúncias — hoje demonizadas — equivaliam a 2% do PIB. Em 2015, no governo de Dilma Rousseff, chegaram a 4,5% do PIB, patamar em que atualmente se encontram. O valor orçado para 2026 atinge cerca de 620 bilhões de reais.
No que se refere em particular às isenções para aplicações financeiras, os governos petistas foram extraordinariamente generosos. A Lei 11 033, de 2004, criou as Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), isentas de imposto de renda, privilégio que foi estendido em 2013 para as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs). Também em 2004 o governo Lula criou os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), vejam só, isentos de IR, característica que a mesma lei concedeu aos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), instituídos uns anos antes, em 1997. Na mesma linha, a Lei 12 431, de 2011, nos brindou com as debêntures incentivadas, mais uma família de títulos livres de IR.
“As medidas de ‘justiça tributária’ não visam corrigir o rombo fiscal, mas ampliar a chance de reeleição”
Tais papéis são particularmente atraentes quando indexados ao IPCA, visto que — ao contrário do que ocorre com os títulos do Tesouro — não pagam mais imposto quando a inflação se acelera, um risco considerável. Não é por acaso, portanto, que investidores passaram a lhes dar preferência, especialmente quando sua chance de calote é percebida como baixa. Hoje, inclusive, o Tesouro reclama da competição com os títulos privados.
A folha corrida da criação de privilégios tributários nos governos do PT, tanto em aplicações financeiras quanto em outras frentes, é singularmente extensa, como se vê. Nesse contexto, o que esperar de medidas de “justiça tributária” para corrigir nosso problema fiscal, isto é, um ajuste que consiga fazer com que a dívida pública pare de crescer à frente do PIB, uma trajetória claramente insustentável? Honestamente, nada.
O objetivo dessa proposta não é, nem jamais foi, algo nesse sentido, mesmo porque a magnitude do ajuste requerido é da ordem de 3 pontos percentuais do PIB (algo como 375 bilhões de reais), muito maior do que medidas como essas poderiam gerar. A verdadeira motivação por detrás desse assunto é — como afirmado acima — acirrar a polarização para ver se isso de alguma maneira se traduz em maiores chances de reeleição para o presidente. A eleição de 2026 começou em 2023 e os eventos mais recentes apenas deixam isso mais claro para quem ainda se recusava a entender a questão.
Antes de condenar privilégios, o governo poderia lembrar quem os escreveu no Diário Oficial.
Link da publicação: https://veja.abril.com.br/coluna/alexandre-schwartsman/robin-hood-ao-contrario/
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