O desempenho da base governista nas próximas semanas tende a ser importante para sabermos para onde estamos indo
InfoMoney
De forma inesperada, o país se viu diante de um novo problema, não que não tivesse acontecido “uma razoável provocação” nos últimos 60 dias por parte principalmente de discursos do nosso presidente. Não bastasse o embate fiscal entre governo e Congresso, o Brasil foi surpreendido com uma imposição de tarifas de 50% sobre importações pelos Estados Unidos – mesmo gerando superávits comerciais ao país.
Em carta, Trump começou citando Bolsonaro, dizendo ser uma “caça às bruxas” o seu julgamento. Por aí seguiu, com opiniões a respeito das nossas eleições, e defendendo a correção de “graves injustiças do sistema atual”. Mas quais são elas, se o superávit gerado não se restringe à balança de bens, mas contempla também a balança de serviços?
Não há dúvida de que o movimento é político. Antes da decisão, Trump já havia compartilhado mensagens em defesa do ex-presidente nas redes sociais, que logo foram rebatidas por Lula. O presidente afirmou a soberania do país e mandou o recado que não aceitaríamos interferência ou tutela de ninguém.
Mas talvez o alcance de nossas ações, nesse caso, seja mais restrito que o imaginado pelo governo.
Nos últimos dados divulgados pela Organização Mundial do Comércio, a participação das importações brasileiras no total importado pelos EUA não chegava a 2%. Temos alguma relevância em alguns setores, como de ferro e aço, ainda assim o impacto dessa tarifação seria muito pequeno para a balança comercial americana, em comparação à nossa.
O Brasil, reconhecido por sua diplomacia, deve aguardar o prazo de 1º de agosto (quando as tarifas entram em vigor) para tomar qualquer decisão – enquanto isso, esperamos negociações. De qualquer forma, algumas alternativas são cogitadas.
A Lei da Reciprocidade, sancionada por Lula em abril, traz opções. A lei prevê a adoção de medidas de retaliação contra países ou blocos econômicos que apliquem barreiras comerciais, legais ou políticas contra o Brasil, (i) via sobretaxas na importação de bens e serviços ou (ii) via suspensão de acordos e obrigações comerciais. Ainda, em alguns casos, (iii) o país poderia suspender direitos de propriedade intelectual.
Esse seria um caminho árduo. A escalada do conflito traria revisões baixistas significativas ao PIB (em torno de -0,3 p.p. ou menos), ao passo que elevaria a pressão inflacionária interna. Nesse cenário, o Banco Central se veria novamente diante de expectativas de inflação se desancorando. O Brasil, definitivamente, não está em condições de suportar tais consequências.
A questão que fica é: alguém sai ganhando?
Agora, tudo depende de como a situação se desenrolará. É claro que a aplicação das barreiras tarifárias não beneficia ninguém. Mas, justamente por ser um movimento político, alguns podem sair na frente – a narrativa do governo ganha um certo impulso de curto prazo. Estamos muito distantes das eleições presidenciais para achar que lá haverá algum impacto relevante.
O ideal é que haja redução da tarifa, mas há dois caminhos possíveis: negociações em que o governo tenha protagonismo, ou negociações em que a oposição (e mais precisamente a família Bolsonaro) assuma o papel de negociadora.
No geral, a experiência desse conturbado ano nos mostra que os líderes dos países taxados foram beneficiados em termos de aprovação popular. Mas é evidente que os impactos econômicos, até o final do ano que vem, já poderiam ser bastante negativos ao incumbente, caso o Brasil opte pela retaliação.
Ou seja, o resultado eleitoral disso está longe de ser claro. De qualquer forma, no curto prazo, os preços devem ser bastante impactados. O principal ponto de atenção será a percepção da população com relação aos desdobramentos que estão por vir. Portanto, as pesquisas de opinião, mais uma vez, estarão em foco.
Nesse sentido, vale lembrar que tantos outros assuntos estão em pauta. O Ministério da Fazenda segue em busca de atingir sua meta, enquanto as relações entre Congresso e governo seguem estremecidas. Logo, podemos ver efeitos secundários à própria aplicação tarifária.
O desempenho da base governista nas próximas semanas tende a ser importante para sabermos para onde estamos indo. Para além da volatilidade do mercado financeiro, isso pode culminar também na aplicação de mais medidas populistas. A ver.
O certo é que ser alvo dos EUA, assim repentinamente, pode alterar o curso dos acontecimentos no Brasil.
Este artigo teve a co-autoria de Thaís Rodrigues, economista da BuysideBrasil.
Link da publicação: https://www.infomoney.com.br/colunistas/luiz-fernando-figueiredo/de-repente-o-brasil-virou-alvo-dos-estados-unidos/
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