Folha
O ministro do STF Alexandre de Moraes derrubou o decreto legislativo que anulava o decreto do Executivo que majorou as alíquotas de IOF para inúmeras operações. Volta a valer o decreto original do Executivo, com exceção da extensão da incidência do IOF sobre as operações de risco sacado.
O IOF é um imposto regulatório e não tem função arrecadatória. É para poder regular o mercado em períodos de crise e de claro mau funcionamento, com riscos para a ordem econômica, que o Executivo tem amplo espaço discricionário para alterar as alíquotas com vigência imediata.
Fui procurar na Constituição Federal em que artigo a distinção “arrecadatório” e “regulatório” aparecia. Pelo 150º artigo da Carta, é permitido que as novas alíquotas do IOF tenham aplicação imediata. E, pelo 153º artigo, é permitido que o Poder Executivo estabeleça a alíquota sem necessidade de aprovação no Congresso Nacional.
O 65º artigo do CTN (Código Tributário Nacional) estabelece que “o Poder Executivo pode, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas ou as bases de cálculo do imposto, a fim de ajustá-lo aos objetivos da política monetária”. Finalmente, na lei de 1966 que criou o imposto, não há nenhuma referência ao objetivo regulatório do IOF.
A única menção meio vaga, é fato, à natureza regulatória do imposto é o comando no CTN de ajustar a alíquota e a base de cálculo “aos objetivos da política monetária”.
Não há detalhamento legal da natureza regulatória do IOF. Na legislação, nem há a expressão “tributo regulatório”. A natureza “regulatória” do IOF é inferida pela doutrina em razão da enorme discricionariedade que a Constituição confere ao Poder Executivo na sua fixação.
É obvio que o uso do IOF agora é para fechar as contas de 2025 e 2026. Jair Bolsonaro já havia majorado o IOF com a função arrecadatória como Lula fizera em 2007, após a não renovação da CPMF pelo Congresso. Bom lembrar que a majoração do IOF com Bolsonaro foi contestada no STF com ganho de causa para o Executivo.
Assim, o trabalho do ministro Alexandre de Moraes para validar a atual majoração foi relativamente simples. Apelou para a jurisprudência. Se já fizemos assim no passado em circunstâncias iguais, por que alterar? Os princípios de previsibilidade e isonomia do Judiciário colaboram com o despacho do ministro.
Vale ressaltar que não houve uma discussão do que seja, segundo a doutrina, a natureza regulatória do tributo. Dada a falta de esclarecimento legal do que vem a ser um imposto regulatório, entende-se a ausência da discussão do tema no despacho do ministro.
Em todos os casos, há amplas manifestações orais e escritas de membros do Poder Executivo reconhecendo a importância da arrecadação extra.
Vivemos um período de conflito distributivo aberto na sociedade. Um dos pilares da democracia liberal, desde a Revolução Gloriosa inglesa, é que o poder de arrecadação é atribuição exclusiva do Congresso. A jurisprudência que se tem formado contraria esse princípio básico. Claramente o uso que tem sido feito do IOF desde 2007 é abusivo.
Do ponto de vista econômico, o espaço de discricionariedade para o Executivo somente deveria ser concedido em momentos de graves anomalias nos mercados, com risco de crise sistêmica e de desorganização efetiva da economia. Certamente não era o caso em nenhuma das três vezes em que o instrumento foi empregado.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2025/07/o-imbroglio-do-iof.shtml
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