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O rato que ruge

As tarifas de Trump serão dolorosas. A retaliação possivelmente mais

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Não é simples estimar o efeito da elevação das tarifas norte-americanas sobre a economia brasileira, inclusive porque dependerá de como iremos reagir a elas, matéria que – até onde sabemos – não está pacificada sequer dentro do governo. Isto dito, alguns números podem dar uma ideia, provavelmente subestimada, destes impactos. Os EUA são o terceiro maior destino das exportações nacionais (já foram o primeiro), depois da China e da União Europeia. Nos 12 meses até junho deste ano atingiram US$ 41,4 bilhões, ou pouco mais de 12% das vendas ao exterior, valor que corresponde a cerca de 2% do PIB.

A composição das exportações aos EUA, todavia, difere muito das exportações em geral. Produtos manufaturados representam 80% das vendas aos EUA, enquanto, para todos os demais países esta proporção mal supera 50%. Assim, o mercado americano absorve a maior parcela da exportação de produtos manufaturados, alcançando US$ 33 bilhões, ante US$ 22 bilhões para a União Europeia e US$ 20 bilhões de dólares para a China.

Dito de outra forma, enquanto a exposição total da economia às exportações para os EUA equivale, como falamos, a cerca de 2% do PIB, a exposição da indústria de transformação é bem maior: algo como 12% do valor adicionado no setor. A primeira conclusão, portanto, é que as tarifas atingem com maior vigor nosso setor industrial.

“A elevação atinge com maior vigor nosso setor industrial. O Brasil só tem a perder com essa luta”

A elevação das tarifas encarece esses produtos no mercado americano e deve provocar queda dos volumes exportados. O efeito das medidas impostas por Trump é incerto, com redução das exportações entre 8% e 25%. Isso provocaria queda da ordem de 2% na indústria de transformação e em torno de 0,3% no PIB.

Vejam que se trata apenas de uma estimativa dos primeiros efeitos sobre a economia. Não temos condições de modelar como os demais setores reagiriam a isso, nem — como notado — os efeitos que possam se originar de retaliações.

Os impactos sobre a inflação são ambíguos: a queda da atividade tende a reduzi-la (algo como 0,1% ou 0,2% em doze meses). Já o encarecimento do dólar, difícil de prever, atua na direção contrária. Meu palpite é de redução modesta da inflação em relação à trajetória esperada antes das tarifas, mas apenas o tempo dirá. Quanto às retaliações, o cenário é bastante complicado. Os Estados Unidos são mais importantes para nós do que nós para eles. Nossa participação nas importações americanas gira em torno de 1% do total e as exportações americanas para o Brasil têm oscilado em torno de 2% das exportações totais, ou seja, somos irrelevantes em termos do comércio americano.

O investimento direto americano no Brasil de 2001 a 2024 atingiu perto de 180 bilhões de dólares, 18% do total no país. No mesmo período, o investimento direto dos Estados Unidos no resto do mundo acumula 5,3 trilhões de dólares. Vale dizer: representamos uns 3,5% dos investimentos diretos americanos no mundo. É uma luta desigual, em que temos mais a perder. Pode até fazer sentido, do ponto de vista político, rugir na esperança de dividendos eleitorais em 2026, mas não me resta dúvida sobre quem sairia mais machucado nessa pancadaria, por mais estúpida que seja a iniciativa americana.

Link da publicação: https://veja.abril.com.br/coluna/alexandre-schwartsman/o-rato-que-ruge-3/

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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Alexandre Schwartsman