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Uma oferta que não pode ser recusada

Estadão

A elevação das tarifas americanas prejudica principalmente os EUA

Embora o tarifaço tenha monopolizado a atenção da mídia e analistas, é bom não perder de vista que faz parte de um processo mais amplo, em que a principal economia do planeta busca obter vantagens de sua posição dominante para extrair concessões das demais, como regra propondo uma oferta que não pode ser recusada.

Engana-se, porém, quem acredite que tal fenômeno irá fortalecer a economia norte-americana, muito pelo contrário.

Para começar, os dados mais recentes de inflação mostram o início do repasse das tarifas aos preços domésticos. O forte crescimento das importações no primeiro trimestre, materializado em elevação sem precedentes de estoques, ajudou a manter a inflação relativamente controlada até meados do segundo trimestre, fenômeno que se reverte agora que os estoques previamente acumulados vão se esgotando.

Não por outro motivo, o Federal Reserve, que vinha cortando juros até o ano passado, manteve a taxa básica inalterada até julho e sinaliza reduções bastante modestas até o final do ano.

Assim, não apenas o consumidor americano paga mais caro, como a economia tem que conviver com taxas de juros mais altas do que as que prevaleceriam na ausência de tarifas, o que deve prejudicar o crescimento de curto prazo.

O problema, contudo, não se encerra nos efeitos macroeconômicos nocivos, mas afeta também o motor da expansão econômica de longo prazo, o aumento persistente da produtividade.

O “segredo” da prosperidade americana, em particular neste primeiro quarto de século, é o desempenho da produtividade, seja o produto por hora trabalhada, seja a versão mais completa, que incorpora a produtividade de todos os insumos (a Produtividade Total dos Fatores).

Isso resulta, em boa parte, da especialização da economia naquilo que melhor produz, isto é, de destinar seus melhores recursos para as atividades que oferecem o retorno mais alto, a chamada vantagem comparativa.

Ao distorcer, contudo, os retornos privados, as tarifas (como também as demais barreiras ao comércio) acabam afastando os recursos de seus usos mais bem-sucedidos. O resultado, previsível, será perda de produtividade e, portanto, crescimento mais lento também – e principalmente – em prazo mais longo.

O Brasil teria muito a ensinar sobre tal processo: nosso fechamento ao comércio internacional é um dos principais motivos do crescimento baixo nas últimas décadas. O mau exemplo americano poderia ser nosso ponto de partida para uma abordagem distinta, mas devemos desperdiçar também esta oportunidade.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/elevacao-tarifas-prejudica-eua/

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Alexandre Schwartsman