Entrevistas

Mesmo com tarifaço, país terá ‘pouso suave’, prevê Samuel Pessôa

Pesquisador vê atividade mais fraca que nos anos anteriores, mas entende que tarifas dos EUA não mudam cenário econômico até 2026

Valor

A economia brasileira terá um “pouso suave” em 2025 e em 2026, com crescimento mais baixo do que em anos anteriores, na faixa de 2% ao ano, mesmo com o provável impacto negativo do “tarifaço” do presidente americano, Donald Trump. A análise é de Samuel Pessôa, pesquisador do BTG Pactual, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e novo coordenador do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da fundação. Para Pessôa, a aplicação de sobretaxas pelos EUA sobre as exportações brasileiras não muda o cenário macroeconômico básico do país no horizonte até 2026.

Pessôa, que é doutor em economia, assume o Codace oficialmente nesta segunda-feira (4). Ele vai substituir Affonso Celso Pastore (1939-2024), que foi coordenador do Codace desde o começo do comitê, em 2004. Pessôa assume o Codace em meio a um momento em que a economia brasileira apresenta sinais de “desaceleração” com certa “desinflação”, diz.

Pessôa lembrou que, por escolha do governo, houve impulso fiscal maior no começo do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A medida teve algumas consequências, como o uso maior de capacidade instalada na indústria e redução na taxa de desemprego.

Mas salientou que a taxa de crescimento do gasto primário, mesmo que ainda no terreno positivo, tem caído. “E, por outro lado, por conta de inflação ainda significativamente acima da meta, estamos com taxa de juros contracionista [a Selic, a taxa básica de juros, ainda elevada]”, afirmou. Ele prosseguiu: “Quando digo que temos cenário de pouso suave é porque parece que temos política monetária mais contracionista e uma política fiscal, que é expansionista, mas cada vez menos expansionista”, afirma. “O resultante, dessas duas forças, vai produzir desaceleração da economia, com certa desinflação”, previu.

Pessôa admite que os resultados da economia de 2025 e 2026 não vão passar incólumes pelo tarifaço de Trump. “Os cálculos que nós fazíamos antes da divulgação do decreto presidencial do presidente Trump [em 30 de julho] eram de decréscimo em 12 meses, a partir de agosto, mês de começo de vigência da taxação, de 0,3 ponto percentual (p.p.) no Produto Interno Bruto”, diz.

Com o anúncio das exceções tarifárias, as novas taxas americanas devem atingir um universo de produtos menor, algo em torno de 35,9% das exportações do país, segundo cálculos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), diz Pessôa. Como resultado, afirmou, o impacto deve ser menor, com decréscimo entre 0,15 p.p. e 0,20 p.p. no PIB em 12 meses a partir de agosto.

Haverá novas oportunidades para voltarmos à agenda de liberalização”

O pesquisador não descartou que, no Brasil, a produção de máquinas e equipamentos possa ser especialmente afetada pelas tarifas americanas. Esse setor, pelo menos até agora, não entrou na lista de exceções tarifárias. A lista incluiu quase 700 produtos brasileiros em um primeiro momento. A indústria de máquinas e equipamentos exporta cerca de US$ 3,6 bilhões por ano para Estados Unidos, segundo a Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Ele acrescenta que a situação poderia ser usada pelo Brasil para promover uma maior abertura comercial. “Talvez seja uma oportunidade para percebermos como a abertura comercial de um país é importante”, afirma. A posição é semelhante à de outro integrante do Codace, o economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, que, em evento na Academia Brasileira de Letras (ABL), em julho, defendeu que Trump oferece uma oportunidade de o Brasil fazer uma “reforma liberalizante” no comércio exterior. “Devemos fazer desse limão uma limonada”, disse Bacha na ocasião.

Pessôa avalia que as medidas de Trump são de um governante que fecha as portas no âmbito comercial a outros países. “Estamos aprendendo a importância da abertura pelo jeito mais difícil”, disse. “Temos um presidente nos Estados Unidos que está fazendo esforços grandes para ‘desglobalizar’ o mundo. E vemos, agora, o quanto que isso é ruim. Ruim para o Brasil, ruim para os outros países.”

Na visão de Pessôa, iniciativas de aproximação econômica entre países, por meio do comércio, promovem melhor divisão de trabalho, mais especialização e ganhos de produtividade globais. O novo coordenador do Codace não descartou que a situação atual conduza a novos movimentos de integração comercial, incluindo o Brasil. “Creio que haverá uma porção de novas oportunidades para voltarmos à agenda de liberalização da economia, inclusive a partir de um certo aprendizado da sociedade brasileira”, prevê. “Estamos tendo experiência cabal de como fechar a economia é ruim.”

O Codace foi criado pela FGV em 2004, com o objetivo de estabelecer cronologias de referência para ciclos econômicos. Participam do comitê, além do coordenador, Edmar Bacha, sócio-fundador e diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças; João Victor Issler, professor titular da Escola Brasileira de Economia e Finanças da fundação (FGV/EPGE); Marcelle Chauvet, do Departamento de Economia da Universidade de Califórnia Riverside; Marco Bonomo, PhD pela Universidade de Princeton e professor do Insper; Aloísio Campelo Júnior, superintendente de Estatísticas Públicas do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (FGV Ibre); Fernando Veloso, doutor em Economia pela Universidade de Chicago; e o membro licenciado Paulo Picchetti, atual diretor de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos do Banco Central.

Link da publicação: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/08/04/mesmo-com-tarifaco-pais-tera-pouso-suave-preve-samuel-pessoa.ghtml

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