O fechamento do mercado não trouxe os ganhos esperados. A indústria, estagnada, pouco investe e sua produtividade não cresce há décadas
Zeina Latif
Globo
As medidas do governo Trump contra as importações vindas do Brasil produziram rápida resposta do governo em propor ações de socorro aos setores afetados. O mesmo, porém, não ocorreu na direção de ajustar a política comercial do país — se é que se pode chamar o amontoado desestruturado de regras para atender demandas de setores organizados de política comercial.
Desperdiça-se uma oportunidade de rever uma política que não entregou o crescimento econômico prometido, pelo contrário.
Somos um dos países mais fechados ao comércio mundial quando se leva em conta as barreiras impostas. A tarifa média de importação de produtos industriais é de 11,7%, ante 3,8% na União Europeia e 6% no México.
Há também uso mais intensivo e frequente de medidas não-tarifárias, impactando grande parcela das importações e, certamente, inviabilizando outras tantas. São barreiras sanitárias, técnicas e muitas etapas no processo, como inspeções e licenciamentos.
A política comercial do Brasil pouco mudou desde a abertura dos anos 1990. Enquanto isso, países emergentes implementaram programas de liberalização unilateral para integração às cadeias globais de produção. Há poucos acordos comerciais firmados, fazendo com que apenas 13% das exportações sejam contempladas.
Como resultado, enquanto o Brasil tem o 11º maior PIB no mundo, ele está na 25ª posição no ranking de importações, e com perda de posições nos últimos anos.
Para atender os interesses de empresas e grupos organizados, diferentes regras foram criadas para cada setor. Diversos bens de consumo, como automóveis, têxteis, móveis e calçados, têm alíquota máxima de 35%. Por outro lado, regimes especiais e exceções foram sendo criadas para reduzir o custo de importação de alguns produtos, como bens de capital.
O sistema tornou-se muito complexo, uma situação em parte análoga ao do caótico sistema tributário.
Com cada segmento conseguindo um tratamento diferenciado, dificulta-se a ação coletiva em prol da abertura. Trata-se, pois, de agenda que depende de liderança política, para o benefício do consumidor.
No governo anterior, com o ministro Paulo Guedes, houve medidas para simplificação de processos e redução de tarifas. Essa agenda, porém, precisa ter continuidade, com plano de longo prazo, uma oportunidade perdida agora — aqui reconhecendo que a motivação principalmente política dos EUA, diferentemente de outros momentos, contribui para a inércia do atual governo.
O fechamento do mercado não trouxe os ganhos esperados. A indústria, estagnada, pouco investe e sua produtividade não cresce há décadas, como, aliás, previsto na literatura econômica. Com a reduzida competitividade, a indústria torna-se um setor particularmente vulnerável a choques e ao ciclo econômico.
As barreiras comerciais tampouco impediram o aumento da participação dos importados na cesta de consumo, conforme o Índice de Penetração das Importações na Indústria de Transformação da CNI, o que acaba alimentando demandas por mais proteções.
Os bens importados representam 25% do consumo interno de produtos industrializados (dado de 2023), ante 15% há 20 anos. Justamente os bens finais manufaturados mais protegidos tiveram as altas mais expressivas no indicador. Já para máquinas e equipamentos nada mudou, o que é má notícia em termos de acesso a novas tecnologias e ganhos de produtividade.
Aumentou a importação, mas não a exportação de industrializados: o coeficiente de exportações caiu para 20% ante 26% em 2005. Na experiência mundial, as duas variáveis costumam caminhar juntas, inclusive com a importação de insumos e a exportação de bens finais mais elaborados e sofisticados — é o caso quase isolado da Embraer.
Assim, a balança comercial da indústria de transformação, que foi superavitária até 2007, está com déficit de US$ 66 bilhões nos 12 meses até junho deste ano.
A agenda de paulatina liberalização comercial deveria ser perseguida por governantes, pelo benefício ao crescimento econômico de longo prazo. Vale ainda citar o papel do comércio exterior na atração de investimento direto. Apesar de o Brasil ser importante receptor de investimento direto, parcela modesta está associada a novos projetos (greenfields).
A busca de novos mercados como resposta às tarifas de Trump será mais difícil para uma economia fechada. O país precisa rever suas políticas.
(*) Fonte dos dados: “Integração comercial internacional do Brasil”, CDPP, 2025.
Link da publicação: https://oglobo.globo.com/economia/zeina-latif/coluna/2025/08/adiar-a-abertura-comercial-custa-caro.ghtml
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.