Vários estudos mostram que a abertura comercial pode ter importante efeito positivo sobre a renda real associado à queda dos preços ao consumidor, particularmente favorável aos mais pobres
Fernando Veloso
Valor
A política de tarifas recíprocas anunciada pelo governo Trump no dia 2 de abril representou uma disrupção do comércio internacional que provavelmente terá consequências duradouras.
Vários estudos sobre os efeitos da elevação de tarifas já foram divulgados. Os resultados das simulações mostram que grande parte dos custos serão absorvidos por consumidores e importadores americanos de insumos intermediários, sob a forma de produtos mais caros e de pior qualidade. Além disso, ocorrerão perdas de eficiência e menor crescimento.
Essas pesquisas evidenciam os danos de curto prazo do protecionismo. Mas o que aconteceria se as barreiras comerciais fossem mantidas por décadas? O Brasil representa um estudo de caso para entender esses efeitos.
Primeiro, pelo fato de que os entraves à integração comercial são pervasivos no Brasil. Eles abrangem não somente tarifas elevadas, mas também diversas barreiras não tarifárias, baixa inserção nas cadeias globais de valor e um número pequeno de acordos comerciais. Além disso, as políticas industriais têm um forte componente de conteúdo local, o que representa uma barreira adicional para a adoção de tecnologias importadas.
Segundo, o protecionismo decorrente das políticas comerciais tem longa duração no país. Em sua essência, o modelo de substituição de importações que prevaleceu entre as décadas de 1950 e 1980 ainda está presente. Desde a liberalização comercial da década de 1990 tem havido pouco progresso na redução de barreiras comerciais. Ao contrário, diversas distorções foram criadas nas últimas duas décadas, em particular barreiras não tarifárias por meio de exigências de conteúdo local.
Esses fatos são documentados em livro recém-lançado pelo Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), intitulado “Integração Comercial Internacional do Brasil”. O volume examina as consequências negativas do protecionismo e apresenta propostas para aumentar a integração internacional da economia brasileira. São também analisados os impactos de uma maior abertura comercial no mercado de trabalho e políticas para mitigar seus efeitos sobre os trabalhadores afetados.
Nesse livro colaborei com um capítulo que faz uma revisão da literatura sobre abertura comercial e crescimento da produtividade com base nas evidências existentes para o Brasil e outros países. Também são discutidos os impactos de várias políticas protecionistas, como a reserva de mercado da informática na década de 1980, a substituição de tecnologia importada por inovações nacionais no início dos anos 2000 e políticas de conteúdo local na década de 2010, dentre outras.
m estudo de Eduardo Luzio e Shane Greenstein avaliou o desempenho da indústria brasileira de microcomputadores durante a vigência da reserva de mercado. Os autores mostram que a defasagem entre o padrão de desempenho e preço dos computadores no Brasil em relação aos Estados Unidos foi de três a cinco anos, com computadores brasileiros consideravelmente mais caros e de qualidade inferior aos americanos. Em função disso, estimam que os consumidores brasileiros tiveram uma perda equivalente a 33% das despesas médias anuais com computadores domésticos entre 1984 e 1988.
Uma pesquisa de Gustavo de Souza avalia os efeitos do Programa de Inovação para Competitividade, que em 2001 tributou em 10% o pagamento de royalties de tecnologias estrangeiras. Os recursos foram utilizados para subsidiar projetos de inovação em atividades específicas, como biotecnologia, aviação, saúde e agricultura. Segundo o estudo, o programa não teve efeito positivo em medidas de qualidade da inovação e não contribuiu para a criação de novos produtos ou adoção de maquinário mais eficiente. Por outro lado, houve queda do emprego e redução da qualificação média dos trabalhadores nas empresas que se subsídio.
Outra política de conteúdo local foi o Inovar Auto, a política nacional para o setor automotivo vigente entre 2013 e 2017. Isabela Duarte mostra que o Inovar Auto foi desenhado de forma a praticamente inviabilizar a importação de automóveis no país, criando uma forte estrutura de proteção à indústria local. Emanuel Ornelas e Laura Puccio mostram que o programa reduziu a taxa de crescimento anual das importações do setor em 21 pontos percentuais. Por outro lado, os autores não encontram nenhum efeito sobre as exportações do setor, o que sugere que o setor automotivo não se tornou mais competitivo internacionalmente.
Se, de um lado, existem evidências dos efeitos negativos do protecionismo, vários estudos revelam impactos positivos significativos de uma maior abertura comercial sobre a produtividade e variáveis associadas com ganhos de eficiência, como crescimento do PIB e aumento do investimento e das exportações.
Em particular, a importância da liberalização comercial brasileira na década de 1990 para o aumento da produtividade da indústria de transformação é muito bem documentada. Por exemplo, Pedro Ferreira e José Luiz Rossi utilizam dados de diversas atividades do setor manufatureiro e mostram que a redução tarifária resultou em um aumento de 6 pontos percentuais na taxa de crescimento da produtividade total dos fatores e teve um impacto semelhante na produtividade do trabalho. Outras pesquisas revelam que, além de ganhos de eficiência decorrentes da competição externa, um canal importante foi a importação de insumos intermediários e bens de capital mais baratos e de maior qualidade.
Uma dificuldade de se estimar os ganhos da abertura no Brasil é que episódios de liberalização comercial e de redução de barreiras não tarifárias são raros no país. No entanto, é possível simular os efeitos de uma redução das barreiras ao comércio utilizando modelos de equilíbrio geral.
Uma maior abertura pode aumentar a produtividade média da economia ao estimular a realocação de fatores de produção de firmas menos produtivas para empresas mais produtivas. Rafael Dix-Carneiro e coautores mostram que esse efeito é particularmente significativo em países com distorções elevadas do ambiente de negócios e um grande setor informal, como o Brasil.
Vários estudos também mostram a importância de novos acordos comerciais para o crescimento do PIB, investimento, importações e exportações no Brasil, especialmente o Acordo Mercosul-União Europeia. Além disso, são muito relevantes para uma maior integração nas cadeias globais de valor.
Finalmente, vários estudos mostram que a abertura comercial pode ter um importante efeito positivo sobre a renda real associado à queda dos preços ao consumidor. Esse ganho de renda real é particularmente favorável aos mais pobres, cuja cesta de consumo tem uma proporção significativa de bens comercializáveis.
Em resumo, existem evidências abundantes de que uma maior integração comercial da economia brasileira teria efeitos positivos sobre a produtividade e contribuiria para a redução dos preços ao consumidor. Esse deveria ser um componente central de uma agenda de crescimento para os próximos anos.
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/os-danos-de-longo-prazo-do-protecionismo.ghtml
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.