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Razão e reação

Folha

“É muito difícil fazer previsões; especialmente se são sobre o futuro.”

A frase —atribuída ora a Niels Bohr, físico dinamarquês ganhador do Prêmio Nobel, ora a Yogy Berra, jogador de beisebol famoso por suas frases desconcertantes— aplica-se bem às perspectivas de evolução da crise climática e dos esforços para sua superação.

No fim de julho, o presidente da Agência Ambiental Americana (EPA) anunciou a decisão de revogar a chamada “constatação de perigo” (endangerment finding), norma de 2009, baseada em decisão da Suprema Corte, que constitui a base legal para a atividade da agência.

A medida acabará com os regulamentos da EPA sobre emissões de gases de efeito estufa (GEE) de veículos leves a caminhões pesados, além de enfraquecer as regras que limitam as emissões de usinas de energia e controlam as de metano por empresas de petróleo e gás. Na prática, corresponde não a abrir a porteira, mas a derrubá-la, permitindo a passagem permanente da boiada.

A medida foi comemorada por políticos conservadores e pela indústria de óleo e gás. Um artigo independente no Wall Street Journal a saudou como o “Liberation Day” da regulação climática, equiparando-a ao anúncio da elevação global das tarifas alfandegárias.

Um longo artigo de Judith Curry, climatologista aliada à indústria de combustíveis fósseis, sob o título revelador de “Uma crítica à narrativa climática apocalíptica”, publicado em maio, ilustra bem a estratégia de desinformação do setor. O texto conclui que, caso os EUA perseguissem uma política de redução a zero de suas emissões de GEE, o efeito seria uma diminuição da temperatura global em apenas 0,2ºC em 2100 —justificando assim não fazer absolutamente nada.

As más notícias para o clima não vieram apenas dos EUA. O jornal inglês The Guardian informa que a República Democrática do Congo está oferecendo em licitação para exploração de petróleo uma área de 124 milhões de hectares. O território, mais da metade do país, apresenta 64% de cobertura de floresta tropical primária, incluindo habitats naturais de gorilas e bonobos.

No Brasil, a BP anuncia sua maior descoberta de petróleo nos últimos 25 anos, reforçando a recente mudança de estratégia com redução da ênfase em energia renovável.

A própria revista The Economist, que tem sido consistentemente favorável a políticas que visam o “net zero”, reconhece o recrudescimento das resistências políticas e recomenda aos governos transformar o “target” (meta) em “guideline” (orientação), lembrando Bismarck ao afirmar que “a política é a arte do possível”.

Todos esses acontecimentos recentes reforçam a sensação de incerteza quanto à capacidade da humanidade de promover o enfrentamento coordenado do perigo existencial colocado pelo aquecimento global. Parece inconcebível para nossas mentes educadas sob a crença no “triunfo da razão” que assistamos impotentes ao descumprimento reiterado do Acordo de Paris, assinado em 2015 por 195 países, que assumiram o compromisso de alcançar a neutralidade climática em meados do século.

Diante dessa frustração, talvez devamos aceitar que o combate às mudanças climáticas não se dará por meio de um processo coordenado e racional, baseado em consensos científicos. Ele será antes de tudo o efeito colateral de mais uma transição tecnológica que, como tantas outras antes dela, será marcada por inovações disruptivas, resistências ferozes e interesses conflitantes.

No caso presente, trata-se da substituição da energia fóssil por energia renovável.

A revista The New Yorker trouxe em julho uma extensa reportagem em que mostra, com riqueza de dados e fontes, que a energia renovável —principalmente a solar— consolidou-se nos últimos dois anos como a alternativa mais eficiente economicamente.

As projeções impressionam. Em 2026, a energia solar superará a geração de energia nuclear globalmente; em 2029, superará a energia hídrica; em 2031, será a vez de gás e carvão; e, em 2035, já se terá tornado a principal fonte de energia da Terra.

A reportagem aprofunda-se, ao demonstrar a tendência declinante do preço e a viabilidade do novo ciclo energético sob o ponto de vista da disponibilidade de área e materiais necessários ao suprimento universal. Defende também, além da conveniência econômica, as vantagens geopolíticas da energia solar, que, por sua abundância e ubiquidade, propicia maior segurança energética às nações individualmente.

Enfim, as evidências indicam que —como declarou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, em discurso recente— “o sol desponta sobre uma era de energia limpa“.

Segundo essa análise, a transição da energia fóssil para a renovável tem uma lógica econômica que a torna inexorável, independentemente de seus efeitos benignos sobre as mudanças climáticas.

Resta responder à questão essencial: será o processo suficientemente célere para evitar a elevação da temperatura da terra a mais de 2ºC sobre os níveis pré-Revolução Industrial?

É nesse contexto que a coordenação global para o acompanhamento e implementação plena do Acordo de Paris surge, não como motivador ou justificativa da mudança, mas como importante agente catalisador do processo, mediante a concessão de estímulos às energias renováveis e oneração das emissões de GEE.

Por outro lado, todos os reveses citados no início deste artigo devem ser entendidos como o que de fato são: reações desesperadas buscando evitar, ou retardar, a inevitável evolução tecnológica, em que pesem os evidentes prejuízos climáticos que a demora acarreta.

Há muitos exemplos históricos de mudanças tão inevitáveis quanto necessárias, moral e/ou economicamente, que sofreram forte resistência por grupos de interesses contrariados. Entre eles podemos destacar a escravidão, que perdurou por séculos após sua ilegitimidade moral se tornar evidente, e o lobby das empresas de tabaco, que recorreram a todas as medidas enganosas e protelatórias para promover um hábito que já se sabia extremamente nocivo.

Diante desse quadro, parece-me claro o caminho a seguir. Devemos nos empenhar ao máximo pela implementação dos preceitos do Acordo de Paris, a começar pela atuação coordenada e determinada na COP30, em novembro próximo.

Quanto às inúmeras tentativas de solapar o processo de redução de emissões, devem ser enfrentadas energicamente —com “a certeza na frente e a história na mão”.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/candido-bracher/2025/08/razao-e-reacao.shtml

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.


Sobre o autor

Candido Bracher