A reação ao tarifaço reforça a irrelevância do arcabouço fiscal
Estadão
Foi anunciado – sob fanfarra, como de hábito – o mais recente pacote de ajuda aos setores afetados pelo tarifaço. À parte nova linha de crédito, R$ 30 bilhões, o programa prevê gastos adicionais de quase R$ 10 bilhões, entre aportes a fundos garantidores e um Reintegra (devolução de impostos) vitaminado.
O valor será novamente descontado da meta fiscal, que, com tantas exceções e um enorme intervalo de tolerância, já perdeu qualquer função como indicativo do compromisso do governo com a sustentabilidade da dívida.
Da mesma forma, o gasto adicional, viabilizado por crédito extraordinário, não será considerado dentro do limite definido pelo tal de “arcabouço fiscal”, outra geringonça cuja reduzida utilidade consegue a proeza de ser ainda mais irrelevante do que era quando de sua criação.
Há ao menos uma lição a ser tirada deste episódio, embora não inédita: os limites ao crescimento desmedido do gasto público, ainda que definidos pelo próprio governo, não conseguem desempenhar a função para a qual foram criados. Há – e haverá – sempre um motivo nobre para justificar mais uma exceção à regra: enchentes, tarifaços, desastres naturais em geral e, logo mais, também a resistência ao fascismo que ameaça tomar o país, definido como qualquer corrente politica que ouse se opor à manifestação terrena do bom e do belo, isto é, o governo Lula.
Se preferir, troque “fascismo” por “comunismo” na frase anterior e “Lula” por “Bolsonaro”, e a expressão continuará verdadeira.
Vale dizer, a dificuldade de manter limites quando tais fronteiras ameaçam os interesses de curto prazo de quem quer que seja ocupando a cadeira presidencial num dado período acaba por se impor e o resultado é o que observamos: desequilíbrios fiscais persistentes e uma dívida que continua crescendo mais rápido do que a capacidade de pagá-la.
Obviamente há circunstâncias em que é válido contornar o limite: a pandemia, por exemplo. Chama a atenção, contudo, a facilidade com que se invoca um pretexto qualquer para dizer que a dieta é ótima e essencial, mas, naquele momento, é imprescindível avançar na sobremesa.
Não é por outro motivo que me tornei e permaneço um cínico no que se refere a regras fiscais que tentem estabelecer alguma forma de controle generalizado do gasto público. O equilíbrio fiscal só virá quando estivermos dispostos a mudar de vez a dinâmica que controla a expansão do gasto obrigatório.
Não se trata de fazer dieta, mas sim mudar os hábitos alimentares de um governo obeso.
Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/regime-fiscal/
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