Atitude mais recente foi excluir da meta fiscal, deste ano e de 2026, R$ 9,5 bilhões dos R$ 30 bilhões do pacote de medidas para mitigar os efeitos do tarifaço em alguns setores da economia
Estadão
Uma regra fiscal depende basicamente de duas coisas para funcionar e gerar ganhos ao País: um bom desenho institucional, com normas e objetivos claros, e credibilidade, que é construída ao longo do tempo. É neste segundo aspecto que o governo tem falhado e contribuído para enfraquecer o arcabouço fiscal criado em 2023.
A atitude mais recente foi excluir da meta fiscal, deste ano e de 2026, R$ 9,5 bilhões dos R$ 30 bilhões do pacote de medidas para mitigar os efeitos do tarifaço em alguns setores da economia. O mesmo procedimento foi adotado em relação aos precatórios, às despesas emergenciais com as enchentes no Rio Grande do Sul e ao ressarcimento de aposentados e pensionistas que foram vítimas de descontos indevidos em seus benefícios.
A rigor, não era necessário fazer isso. O arcabouço fiscal prevê uma margem de tolerância equivalente a 0,25% do PIB para acomodar imprevistos como esses. Ao optar por não usar esse espaço, o governo passa ao mercado e ao Congresso uma mensagem de menor comprometimento com a disciplina fiscal. Assim, fica com pouca base para reclamar quando o Congresso cria um extra de R$ 30 bilhões para financiar o agronegócio.
Como já disse aqui, excluir uma despesa da meta fiscal serve para o governo cumprir formalmente as regras. Mas essa manobra não anula os efeitos financeiros, como o aumento da dívida pública. E ainda compromete a credibilidade.
O arcabouço fiscal substituiu o teto de gastos, que implantamos na minha gestão no Ministério da Fazenda em 2016. O teto ajudou o Brasil a sair da sua maior crise econômica, a de 2014 a 2016. Sua vantagem era ter regras mais simples: a despesa era corrigida pela inflação do ano anterior e pronto.
O teto funcionou também porque foi seguido à risca no governo Temer, o que lhe deu credibilidade. Passou a ser driblado mais tarde. Em 2022, fui questionado em uma entrevista se o teto estava desmoralizado após tantas manobras. Respondi: “o que foi desmoralizado não foi o teto, foi a política fiscal, porque (o governo) achou todas as formas possíveis para driblar o teto. O que dá credibilidade, confiança, e gera crescimento é uma combinação de pessoas com programa anunciado”.
O arcabouço fiscal precisa ser seguido com rigor para ganhar credibilidade e funcionar como uma ferramenta capaz de ajudar no crescimento. Caso se torne apenas uma formalidade, não atingirá seu objetivo e não ajudará o país a atrair investimentos, crescer mais e gerar empregos e renda. Em última instância, é para isso que serve a disciplina fiscal.
Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/henrique-meirelles/regra-fiscal-nao-deve-ser-formalidade/
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.