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A dívida pública, a ideologia e o que verdadeiramente importa para o Brasil

Não ajustamos nossas contas públicas, não avançamos em reformas estruturais e seguimos deixando a ideologia e o populismo dominarem a agenda

InfoMoney

Há muito tempo o Brasil caminha por uma estrada perigosa, onde as decisões tomadas, na melhor das hipóteses, são paliativas, e, na pior, francamente prejudiciais ao futuro do país. O nosso maior fator de insustentabilidade tem sido a nossa dívida pública, a maior entre os emergentes e também a que mais cresce anualmente.

No governo anterior tivemos um pequeno respiro. A dívida até teve uma pequena melhora, vindo de uma trajetória insustentável desde 2007. Desde o início do governo atual, no entanto, não só voltamos a crescer o nosso endividamento, mas o aceleramos – nossa dívida com relação ao PIB cresce 4 pontos percentuais anualmente. Não ajustamos nossas contas públicas, não avançamos em reformas estruturais e seguimos deixando a ideologia e o populismo dominarem a agenda, colocando o interesse eleitoral e a perpetuação no poder acima da visão de Estado.

A fotografia fiscal é clara: nossa dívida bruta já está em 76,6% do PIB, 11 pontos percentuais acima do patamar de dezembro de 2015 – um intervalo de apenas dez anos. Hoje, as projeções do Prisma indicam 89,2% do PIB em 2028, uma trajetória bem ascendente. E isso sem considerar a bomba-relógio dos precatórios: caso sejam integralmente incorporados à meta fiscal a partir de 2027, o cenário é de dívida que pode sair do controle.

Não bastasse os juros elevados – necessários para conter a inflação – isso aumenta ainda mais o custo do serviço da dívida, criando um círculo vicioso que poderia ser evitado com uma política fiscal mais responsável.

Recentemente temos tido alguma discussão sobre dominância fiscal. Quando se fala disso, em geral, se pensa no seu nível mais extremo, quando aumentar a taxa de juros amplia o desequilíbrio gerando até mais inflação. Mas, hoje, já temos uma enorme influência na política monetária por conta do nosso desarranjo fiscal. Conter o processo inflacionário com um juro real na casa de 10% a.a. já é claramente a consequência do peso desse endividamento.

Períodos de juros reais bem mais baixos foram sempre acompanhados de uma política fiscal sustentável, coisa de que estamos nos afastando rapidamente: nosso déficit nominal saiu da casa de 4/5% do PIB para chegar próximo a 9/10% do PIB.

Mais recentemente, no cenário externo, a resposta às tarifas impostas pelos EUA pelo nosso governo também demonstrou falta de cálculo político. A lista inicial de produtos retaliados foi reduzida em quase 700 itens, o que evitou um cenário mais dramático, mas deixou evidente que a prioridade do governo é eleitoral, não econômica. Mais grave ainda: esse problema poderia ter sido evitado se o governo não tivesse adotado uma postura combativa desde o chamado Liberation Day, quando o Brasil foi “favorecido” em detrimento de outros países, gerando atritos desnecessários. Agora, teremos de lidar com pacotes emergenciais de socorro, mais uma vez pressionando as contas públicas.

E a carência de coordenação estratégica não se limita aos EUA na política externa. Além das tensões com Washington, há ruídos com a União Europeia sobre o acordo com o Mercosul e divergências ambientais com países vizinhos.

Mesmo assim, o câmbio opera relativamente estável, mas convive com um fluxo financeiro negativo e uma balança comercial mais fraca. Investidores estrangeiros têm reduzido posições em derivativos, sinalizando menor apetite pelo Brasil diante da instabilidade política e econômica. E, enquanto estados como São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, entre vários outros, avançam em agendas de modernização, o governo federal parece incapaz de apresentar um projeto claro para o país.

No lugar de reformas estruturais, opta-se por soluções imediatistas: aumento de IOF, novos tributos setoriais e renúncia fiscal mal direcionada. A tão necessária reforma administrativa permanece parada, assim como a revisão de benefícios tributários ineficientes. O resultado é um orçamento federal cada vez mais engessado, com espaço mínimo para investimento – que segue em torno de 0,8% do PIB, um patamar insuficiente para recuperar infraestrutura e produtividade.

Mesmo com uma leve melhora recente na percepção popular após o embate com os EUA, a desaprovação do governo segue alta. Isso acende o alerta para novas medidas de cunho populista, que podem até surtir efeito eleitoral no curto prazo, mas aprofundam os problemas estruturais no longo. Nossa sorte é o desempenho ainda mais aquecido da economia, principalmente sob a ótica do mercado de trabalho, embora estejamos em desaceleração.

A pergunta que fica é: até quando teremos a ideologia e as disputas pelo poder na frente dos interesses nacionais? Vemos vários estados avançando com dinamismo, mas com um país sem projeto de futuro. A conta esta aí, quanto mais demorarmos para enfrentá-la, mais caro pagaremos para saná-la.

Este artigo teve a co-autoria de Thaís Rodrigues, economista da BuysideBrasil.  

Link da publicação: https://www.infomoney.com.br/colunistas/luiz-fernando-figueiredo/a-divida-publica-a-ideologia-e-o-que-verdadeiramente-importa-para-o-brasil/

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Sobre o autor

Luiz Fernando Figueiredo