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A dura face da dominância fiscal

Estadão

Trump tenta obter o domínio também do Federal Reserve

Em mais um sinal alarmante do desmantelamento das instituições americanas, Trump anunciou a demissão de uma das diretoras do Federal Reserve, Lisa Cook, cujo mandato a princípio só se encerraria em 2038.

A esta altura não é claro se ele tem o poder de demitir um membro da Diretoria, mesmo porque trata-se de fato inédito na história da instituição, em que pesem não poucos conflitos entre o Fed e o Executivo, que vêm desde a década de 40 do século passado.

E, por mais que se tente dar um verniz formal à tentativa, não resta dúvida que presenciamos um ataque direto à independência do banco central americano. Caso Lisa seja mesmo demitida, Trump forjaria maioria dentre os sete diretores, que teriam, em tese, poder de indicar os presidentes dos Feds regionais que também compõe o comitê de política monetária. Não seria sequer necessário esperar o fim do mandato do atual presidente para tomar o comando da taxa básica de juros.

Trump não faz segredo quanto às suas preferências por uma taxa mais baixa, não necessariamente para ativar a economia, que, segundo sua própria avaliação equilibrada, está “bombando”, mas para reduzir o custo da enorme dívida americana, equivalente a 100% do PIB. Como se pode ver, argumento nada distinto daqueles que frequentemente ouvimos ao Sul do Equador.

Aqui enfrentamos um caso clássico de “dominância fiscal”: sem perspectiva de equilíbrio das contas públicas nos próximos muitos anos, inclusive por força de sua proposta orçamentária, e, portanto, com uma dívida que deve seguir crescendo muito à frente do PIB, o Executivo força a autoridade monetária a baixar a taxa de juros na marra, sem maiores preocupações com a estabilidade da inflação.

Assim, a inflação – de preferência acima da taxa de juros – contribuiria para reduzir o endividamento, ao erodir o valor real da dívida, fenômeno conhecido por estas plagas, mais recentemente no período do começo de 2021 a meados de 2022 e que ajudou a derrubar nossa dívida em 4,5% do PIB em 2021.

O custo disto, como fica claro, seria a perda de controle do processo inflacionário, que, é bom lembrar, já ocorreu nos EUA do final dos anos 70 até o começo dos 80: entre 1969 e 1981 a inflação média atingiu 6,7% ao ano, com pico de 14,4% em meados de 1980.

Foi então necessária a maior elevação da taxa de desemprego desde os anos 30 para domar a inflação, mas, para um presidente disposto a dobrar instituições a seu bel-prazer, estabilidade de preços ou desemprego recorde não passam de detalhes incômodos.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/dura-face-dominancia-fiscal/

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Alexandre Schwartsman