FGV IBRE
O fato de a política monetária estar se fazendo sentir nos Estados Unidos e no Brasil indica que, em algum momento à frente, tanto o Fed quanto o Banco Central do Brasil irão iniciar um ciclo de corte das taxas básicas de juros.
Há sinais de que a economia americana e a economia brasileira têm desacelerado. Finalmente a política monetária tem feito o seu serviço. Há vários motivos que explicam ter levado tanto tempo para a política monetária atuar. Um deles é que as empresas e as famílias saíram relativamente líquidas da pandemia. Toda a política pública na pandemia foi desenhada para atender as empresas e famílias. Houve muito crédito barato e a longo prazo e muita distribuição de recursos às famílias. O bom estado das finanças das empresas e famílias, principalmente nos EUA, atrasou muito o impacto do ciclo monetário na economia.
O sinal mais claro de que a política monetária finalmente bateu na atividade nos EUA foi o desempenho do consumo no primeiro semestre. No final de julho tivemos a divulgação do desempenho da economia americana no segundo trimestre. Consolidando os dois primeiros trimestres, o crescimento do consumo foi de 1%, já considerando a taxa anualizada. Isto é, o consumo rodou no primeiro semestre ao ritmo de 0,25% por trimestre, aproximadamente. Nos seis anos anteriores, a média das taxas de crescimento trimestrais foi de 0,85% ou 3,3% ao ano. Um sinal adicional de que a política monetária começa a fazer efeito é que o consumo de bens duráveis, item do consumo mais afetado pela política monetária, recuou no primeiro semestre. Desde 2019 não houve um semestre com comportamento tão ruim do consumo, com exceção do primeiro semestre de 2020, em função da pandemia. O crescimento do produto também desacelerou bastante. Rodou o semestre a 1,2%, já considerando a taxa anualizada.
Um resultado da atividade cuja leitura foi positiva no semestre foi o investimento em capital fixo. Cresceu no semestre 4%, na taxa anualizada. No entanto, o resultado foi fortemente puxado pelo crescimento em máquinas e equipamentos, em função da antecipação das importações, como medida defensiva em função do risco das tarifas. Risco este que se materializou, visto que o investimento em equipamentos cresceu no semestre, anualizadamente, 14%. Nos últimos seis anos, a média das taxas de crescimento anualizadas do investimento em equipamentos foi de 3,3%. Já o investimento em estruturas, residenciais e não residenciais, apresentou crescimento negativo no semestre.
Apesar da desaceleração da economia americana, a inflação parou de cair. De janeiro a abril a inflação, medida pelo índice de preço ao consumidor em 12 meses, caiu 0,69 centésimo de percentagem, de 3,0% em janeiro para 2,31% em abril. De abril a julho elevou-se em 0,36 centésimo de percentagem, de 2,31% para 2,67%. Adicionalmente, tem havido um continuado processo de elevação da inflação dos bens duráveis, uns dos itens mais sensíveis às tarifas de Trump e que nos últimos anos tem apresentado forte tendência deflacionária. Do vale em julho de 2024, quando marcou deflação de 4,65%, a inflação de bens duráveis acumulada em 12 meses tem se elevado monotonicamente até a leitura de 0,44% em junho passado.
No Brasil, a demora para a política monetária em desacelerar a atividade econômica deve-se, além do impacto da política econômica da pandemia sobre a liquidez do setor privado, à política fiscal muito expansionista na primeira metade do governo Lula. O crescimento do gasto primário real, deflacionado pelo IPCA, foi de 9% em 2023, 3% em 2024 e de 1,5% em 2025. Esses números já ajustam o pagamento de R$92 bilhões de precatórios de dezembro de 2023 em três parcelas iguais, respectivamente para 2022, 2023 e 2024. Do ponto de vista do impacto sobre o bolso das pessoas, dado que os precatórios foram pagos em dezembro de 2024, a política fiscal deve ter sido fortemente expansionista até o primeiro semestre de 2024.
Os sinais de que a economia desacelera são bem claros na indústria. A indústria em junho recuou 1,3%. É útil separar os setores da indústria nos cíclicos e nos exógenos. Os cíclicos envolvem principalmente bens de capital e bens de consumo duráveis. Após um pico de 11,6% de crescimento sobre o ano anterior em novembro de 2024, os setores cíclicos da indústria cresceram 2,1% em junho. O mesmo ocorre com o varejo. Os componentes cíclicos, após um pico de mais de 10% para o crescimento em 12 meses em meados de 2024, recuaram em maio. Os serviços aos consumidores, após o pico de 5% em setembro de 2024, têm crescido abaixo de 1% nos últimos dois meses. Tanto para a indústria quanto para o varejo e os serviços aos consumidores, consideramos o crescimento interanual da média móvel trimestral.
No mercado de trabalho, a desaceleração tem sido mais moderada, mas tem ocorrido. Já considerando os dados da PNADC de junho de 2025, a taxa de crescimento da massa salarial real em 12 meses desacelerou do pico em janeiro de 2024, de 8,8%, para 5,6% em junho. Ainda é um número forte, dado que a economia cresce a 2%, mas certamente houve uma desaceleração importante. Para a renda real, a desaceleração foi, para as mesmas datas, de 5,5% para 3,2% – de 2,3 pontos percentuais, portanto.
Nas taxas de crescimento trimestrais, após o forte avanço de 1,4% no primeiro trimestre, ante o trimestre imediatamente anterior com ajuste sazonal, o FGV IBRE espera crescimento de 0,4% no segundo trimestre e de 0,2% no terceiro. Para o ano fechado, espera-se crescimento de 2%. Esse crescimento projetado de 2% em 2025, em comparação aos 3,4% de 2024, encerra forte desaceleração. Este fato fica mais evidente se dividirmos a atividade em seus componentes exógenos – agropecuária, indústria extrativa mineral, aluguéis e serviços da administração pública – e os demais setores que são cíclicos, isto é, que respondem melhor às políticas macroeconômicas. Os setores cíclicos correspondem a 70% da economia. Em 2024, quando o crescimento foi de 3,4%, os setores cíclicos cresceram 4,4%. Para 2025 – quando esperamos, como vimos, crescimento de 2% –, os setores cíclicos crescerão 1,6%. Temos uma desaceleração de 2,8 pontos percentuais nos componentes cíclicos da oferta agregada.
O fato de a política monetária estar se fazendo sentir indica que, em algum momento à frente, tanto o Fed quanto o Banco Central do Brasil irão iniciar um ciclo de corte das taxas básicas de juros. Para os EUA, espera-se que esse ciclo se inicie ainda neste semestre, provavelmente na reunião de setembro. Para o BCB, parece que o início ficará para o primeiro trimestre de 2026, podendo ser antecipado se a desaceleração da economia for mais forte do que se imagina.
Esta é a coluna Ponto de Vista, da Conjuntura Econômica de agosto de 2025.
Link da publicação: https://blogdoibre.fgv.br/posts/desaceleracao-chegou-aqui-e-la
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