Veja o que ex-presidentes do Banco Central dizem sobre mobilização de parlamentares do Centrão para aprovar lei que permita aos parlamentares destituir diretores e presidentes da autoridade monetária
Globo
Líderes de partidos do Centrão na Câmara dos Deputados assinaram ontem um requerimento de urgência para acelerar a tramitação de um projeto de lei que permite ao Congresso destituir presidentes e diretores do Banco Central (BC), em meio às pressões para a aprovação da compra do Banco Master pelo BRB pela autoridade monetária.
O requerimento de urgência encabeçado pelo PP foi endossado por líderes de legendas do Centrão, da oposição e até da base do governo. Ex-presidentes do BC ouvidos pelo GLOBO afirmam que a ideia é um retrocesso que pode prejudicar a economia. Veja depoimentos mais abaixo.
As discussões sobre algum grau de independência do Banco Central (BC) se estenderam ao longo de 30 anos no país, mas a autoridade monetária só conquistou a autonomia operacional com a lei complementar n.º 179, sancionada em 2021 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro após aprovação pelo Congresso Nacional. A lei tornou o BC uma autarquia de natureza especial.
O objetivo era blindar o órgão de pressões político-partidárias, tornando mais transparente e estável a condução da política monetária. O presidente do BC passou a ter mandato de quatro anos não coincidente com o do presidente da República, com possibilidade de recondução por mais quatro.
Foi por isso que o presidente Lula só pôde indicar o atual presidente do BC, Gabriel Galípolo, no terceiro ano de mandato, tendo convivido mal com o antecessor, Roberto Campos Neto, indicado por Bolsonaro. Galípolo não se manifestou sobre o assunto. Ontem, Campos Neto criticou a iniciativa:
— Este projeto seria muito ruim para a autonomia do BC. Seria um passo atrás em uma grande conquista da sociedade brasileira — limitou-se a dizer em curta declaração ao GLOBO.
Hoje, os presidentes dos BC só podem ser exonerados pelo presidente da República em caso de enfermidade que impossibilite as funções, desempenho insuficiente comprovado e recorrente ou condenação transitada em julgado. Ex-presidentes do BC dizem que não é uma boa ideia alterar isso. Veja os depoimentos deles a seguir:
Arminio Fraga: ‘Coisa de republiqueta’
“A ideia de passar (assinaturas de urgência), logo num dia como hoje (ontem) com as atenções voltadas para o julgamento (do ex-presidente Jair Bolsonaro no STF), querendo autorizar o Congresso a demitir diretores do Banco Central, num caso ultra polêmico, pouco transparente, é uma insanidade. Isso é coisa de republiqueta. É grave. É grave.
É consenso na experiência histórica de inúmeros países que os BCs funcionam bem quando têm a capacidade de tratar esses temas como questões de estado e que não fiquem a reboque das necessidades conjunturais ou políticas do momento.
Tudo que está acontecendo nesse grande tema do Banco Master só faz levantar suspeitas de que querem esconder alguma coisa e não é pequena, claramente com uma rede de interesses enorme.
Provavelmente o problema é de fato muito grande e ele precisa ser arejado. Qual o tamanho do buraco? E quem é que vai rachar a conta? Tem no ar a pergunta se o BRB de fato tem condições de assumir esse passivo, quais são as responsabilidades do BC? Como é que esse problema chegou onde chegou?
Tudo coisa quente. De repente, aparece das nuvens uma mão para demitir alguém. Possivelmente tem uma campanha em cima do diretor Renato Gomes (de Organização do. Sistema Financeiro e de Resolução). Para quem conhece um pouco o assunto como eu, claramente ele está se opondo a alguma coisa que não deve ser boa. O risco é claro. Está se cogitando uma lei no Congresso para demitir um diretor do BC. É preocupante o Congresso chegar a pensar num absurdo desses.”
Henrique Meirelles: ‘Não há nada a mudar’
“A mudança da base legal da independência, criando abertura para demissão sem causa definida, é um retrocesso. Este projeto, como está, é negativo.
A demissão de diretores e presidente do Banco Central só pode ser de fato executada e implementada desde que haja causas muito específicas, como criminais. A lei atual já define claramente as situações que abarquem justificativas para esse tipo, de que causas objetivas e graves sejam punidas, e não acho que há nada a mudar.
Portanto, um projeto de lei que deixe as causas para uma possível demissão em aberto, como algo que contraria os interesses nacionais, é negativo, porque aí cada um pode interpretar da maneira que quiser. E isso pode sim se tornar uma força de pressão sobre o Banco Central.
São palavras em aberto, valendo da interpretação de cada um. O interesse nacional vai ser definido em cada ocasião. Se subir juro, vai ter gente achando que é contra o interesse nacional? Causas genéricas como essas são negativas. Cria insegurança jurídica, já que cada um pode definir de uma forma ou de outra.
E o que acontece aqui é diferente dos EUA, já que lá há ação direta do presidente, mas sem proposta de mudança na lei, querendo demitir a diretora (Lisa Cook) dentro da estrutura legal. Aqui há tentativa de mudança da base legal.
Fui presidente por oito anos, sofri todo tipo de ataque e enfrentei. Isso faz parte do cotidiano, como nos EUA acontece. Mas o BC precisa enfrentar e ter condições jurídicas para manter a autonomia, que deve ser preservada.”
Pérsio Arida: ‘Interferência é algo ruim’
“A minha opinião é muito simples: é um grande retrocesso institucional. Seria algo muito ruim para o país. É um retrocesso porque a lei atual já permite a demissão de diretores e presidentes do Banco Central pelo Presidente da República em caso de descumprimento das suas funções ou por condenação.
O que esse projeto do Congresso está querendo fazer é facilitar aos parlamentares a demissão destes profissionais. De uma forma muito simples, esse projeto significa dar ao Congresso o poder de demitir dentro do Banco Central, e isso fere a independência do órgão.
Em comparação ao que estamos vendo no Federal Reserve (Fed, banco central americano), com a Lisa Cook (diretora que Donald Trump tenta demitir), a estrutura institucional norte-americana é diferente da do nosso Banco Central. O funcionamento do Fed é distinto, cada país tem suas leis. Mas em ambos os casos a avaliação é a mesma: que a interferência é algo ruim.
A autonomia do Banco Central foi um grande avanço para o Brasil. Não sei se o projeto vai ser aprovado, isso depende dos políticos. Porém, seria muito ruim para o país se fosse aprovado.
O que se fala é que este movimento do Congresso está relacionado à compra do Banco Master pelo BRB. De qualquer forma, não sei exatamente o que ocasionou ao Congresso para fazer uma proposta como essa, um projeto deste tipo. Entretanto, quaisquer que sejam as motivações, tudo isso é um retrocesso.”
Como é possível afastar direção do BC hoje?
Com a autonomia do BC aprovada pelo Congresso em 2021, no governo de Jair Bolsonaro, os diretores passaram a ter mandato fixo de quatro anos. Pelas regras de hoje, apenas o presidente da República pode exonerar a cúpula do BC, mas nas seguintes situações:
- A pedido;
- No caso de acometimento de enfermidade que incapacite o titular para o exercício do cargo;
- Quando sofrerem condenação, mediante decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, pela prática de ato de improbidade administrativa ou de crime cuja pena acarrete, ainda que temporariamente, a proibição de acesso a cargos públicos;
- Quando apresentarem comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco Central do Brasil.
Link da ´publicação: https://oglobo.globo.com/economia/financas/noticia/2025/09/03/insanidade-o-que-pensam-ex-presidentes-do-bc-sobre-o-projeto-que-permite-ao-congresso-destituir-cupula-da-instituicao.ghtml
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.