Seria péssimo para a economia brasileira se o projeto fosse aprovado, diz o mais longevo presidente do Banco Central, que esteve à frente da instituição entre 2003 e 2011
Estadão
Henrique Meirelles, o mais longevo presidente do Banco Central, tendo ocupado o cargo de 1º de janeiro de 2003 a 1º de janeiro de 2011, avalia como sendo um retrocesso a tentativa de deputados do Centrão de resgatar um Projeto de Lei Complementar (PLC), de 2021, que prevê que diretores e o presidente da autoridade monetária possam ser demitidos por parlamentares.
“Eu acho, de fato, um retrocesso em relação ao que já aconteceu de evolução e de aprovação da independência do Banco Central, sem levar em conta as motivações. Eu, na minha vida profissional, nunca perdi muito tempo tentando entender a motivação das pessoas. Eu trabalho com os fatos, e o fato é que diminuir a autonomia do Banco Central seria um retrocesso”, disse o ex-presidente do BC e ex-ministro da Fazenda.
Meirelles foi entrevistado pelo Estadão/Broadcast um pedido de urgência, protocolado na Câmara na terça-feira, 3, para votar o projeto que permitia a parlamentares demitir os diretores e o presidente do BC. Esse grupo de parlamentares é formado pelos deputados Claudio Cajado (PP-BA), Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), Doutor Luizinho (PP-RJ), Pedro Lucas Fernandes (União-MA), Pedro Campos (PSB-PE), Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e Gilberto Abramo (Republicanos-MG).
O projeto, que visa mudar as regras de exonerações no BC, segundo pessoas a par do assunto relataram à repórter Célia Froufe, tem como alvo o diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do BC, Renato Dias Gomes, o mais resistente em aprovar a operação envolvendo o Banco Master e o Banco de Brasília (BRB) em análise na autarquia. O projeto não foi aprovado, mas só a tentativa de minar a autonomia do BC configura retrocesso, na avaliação de Meirelles.
De acordo com o ex-presidente do BC, a independência da autarquia lhe é um tema muito caro. Ele lembra que em 2002, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o convidou para presidir o BC, disse ao mandatário que só aceitaria o cargo se a autoridade monetária tivesse dele permissão para atuar com independência.
“Inclusive foi apresentado um Projeto de Lei na época. Ele não foi viabilizado naquela oportunidade, mas eu fiz o acordo com o presidente Lula no sentido que agiria de forma totalmente independente, o que se chamou na imprensa e no mercado de autonomia operacional. E foi o que aconteceu. Então eu fui totalmente independente e autônomo. Agora, evidentemente que a aprovação da Lei de Independência do BC em 2021 é muito importante, isto está em linha com todos os bancos centrais dos principais países”, disse Meirelles.
Para Meirelles, o BC tem de decidir tecnicamente e de acordo com seus modelos macroeconométicos porque é isso que garante a possibilidade de o Banco Central controlar a inflação e, com isso, o País poder crescer. “Então, é muito importante a autonomia do Banco Central para que ele possa, de fato, exercer a sua missão e o seu mandato a contento”, disse o ex-banqueiro central.
De acordo com Meirelles, seria péssimo para a economia brasileira se o projeto fosse aprovado. Isso porque a independência é um dos pilares que fazem com que as expectativas de inflação fiquem mais baixas. Numa economia em que o BC é independente, os agentes econômicos começam a confiar na capacidade de a autoridade monetária de trazer a inflação para o centro da meta.
“Num cenário de BC independente, é possível controlar a inflação com juros um pouco mais baixos. Então, é importante para a economia brasileira que seja preservada a plena autonomia do Banco Central”, disse Meirelles.
Perguntado sobre se acredita que futuramente o Centrão possa trazer novamente à baila a tentativa de alterar as regras de demissão no BC, Meirelles disse achar que, se o tema voltar, mais uma vez, não será aprovado porque a independência do BC caiu no gosto da sociedade. Segundo ele, as pessoas entenderam que a independência do BC, ao dar autonomia para a autarquia combater a inflação, acaba por beneficiar principalmente os mais pobres.
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