Há desafios que dificultam avançar com essa agenda a curto e médio prazos, mas economistas dizem que caminho é viável
Valor
O tarifaço dos Estados Unidos reacendeu o debate sobre a necessidade de abertura comercial do Brasil. Diferentes economistas, inclusive nomes expoentes do Plano Real, se manifestaram publicamente nos últimos meses sobre a “oportunidade” que o momento oferece ao país para abrir a economia via redução de tarifas de importação e afrouxamento de outros mecanismos de proteção. Em pouco mais de 30 anos, desde a liberalização do período Collor, pouco se avançou nesta frente, com exceção de algumas medidas no governo Bolsonaro.
Especialistas destacam as dificuldades para lidar com essa agenda a curto e médio prazos e colocam em dúvida a possibilidade de se levar tal projeto à frente. Mas há, por outro lado, quem defenda que o caminho é viável, pode e deve ser discutido. Entre as barreiras para avançar no tema, os especialistas citam setores mais protegidos e vulneráveis à competição das importações, interesses políticos e a própria configuração do Mercosul, o bloco países do Cone Sul.
O movimento feito pela Comissão Europeia, nesta quarta-feira (3), ao apresentar o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul para aprovação pelo Parlamento do bloco e Estados-membros da UE, é uma luz no caminho de uma abertura. “A reforma tributária também enfrentava resistências, era complexa e difícil de ser aprovada, mas após muitos anos se tornou possível. A abertura comercial também é assim. É importante que o debate seja posto e se avance nessa direção”, diz Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes).
Ela é coautora de um dos artigos do livro “Integração comercial internacional do Brasil”, lançado recentemente pelo “think thank” Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP). No texto, apresenta uma proposta que estabelece tarifas de importação entre zero e no máximo 15% no país, com um período de transição de quatro anos. O trabalho considera ainda mudanças em barreiras não tarifárias, redução de burocracias para licenciamento de importações e também custo para importar, entre outras medidas. Ela reconhece que esta é uma primeira recomendação, com adaptações ao longo do debate político, e que alguns setores podem sentir mais que outros.
Para Rios, a política comercial brasileira ficou “praticamente parada” nas últimas décadas, enquanto o mundo vivia uma liberalização comercial. Agora, mesmo em contexto internacional diferente, o Brasil ainda tem economia mais fechada que outros países. “O Brasil está com pouquíssimos instrumentos para lidar com essa situação porque tem uma estrutura bastante protegida e poucos acordos comerciais. E a única maneira de enfrentar essa situação é aumentar a produtividade. E isso não será feito sem mais competição com importações. Isso deve ser de forma planejada, previsível e anunciada, para que agentes tomem suas decisões de investimento em função dessa reforma.”
É importante que debate [da abertura comercial] seja posto e se avance nessa direção”
— Sandra Rios
Há quem avalie que a reforma tributária aprovada neste ano traz uma espécie de “abertura comercial consequente”, ao simplificar a cobrança de tributos sobre o consumo e assim desonerar investimentos e exportações. Hoje, empresas exportadoras obtêm crédito de ICMS ao comprar insumos, mas não podem usar esse crédito porque vendas para o exterior são isentas. A estrutura funciona como uma espécie de “imposto de importação disfarçado”, que acabará na reforma tributária.
A tarifa média de importação no Brasil é de 12%, segundo o relatório World Tariff Profiles 2025, feito por Organização Mundial do Comércio (OMC), Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e Centro do Comércio Internacional (ITC). O levantamento engloba 153 países, dos quais 120 cobram menos que o Brasil. A maior taxa é a de Bahamas (30,3%). Um dos obstáculos para a maior abertura da economia é a configuração do Mercosul, que, como união aduaneira, tem Tarifa Externa Comum (TEC) para países de fora do bloco..
“As pessoas falam que o Brasil precisa abrir economia. Abrir como, cara-pálida? O Brasil depende do Mercosul. Se não houver concertação no Mercosul, o Brasil não abre a economia”, afirma Lucas Ferraz, coordenador do Centro de Estudos de Negócios Globais da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-secretário de Comércio Exterior no governo Jair Bolsonaro.
Esse perfil do bloco, diz o economista, dificulta que o Brasil e o próprio Mercosul busquem acordos com outros países, diante de “um movimento gradual de maior apetite” nesse sentido. O acordo com a União Europeia, afirma, pode ser o ponto de inflexão na política comercial brasileira. Não só pela grandeza – mercado potencial de 718 milhões de pessoas e PIB de US$ 22 trilhões -, mas também pelos benefícios para o Brasil.
“O Brasil, por ter poucos acordos, tem 13% do que exporta com tarifa preferencial. Se conseguirmos fechar o acordo, isso dobra para quase 30%. Ainda é longe da média internacional, de 60% a 70%, mas já é um avanço expressivo.”

Nesta semana o tema voltou a avançar. Na quarta-feira (3), a Comissão Europeia, órgão executivo do bloco, apresentou a proposta dela de tratado. A parte comercial foi separada e Bruxelas poderá validar o acordo por maioria qualificada (pelo menos 15 países representando 65% da população) dos Estados-membros e maioria do Parlamento Europeu.
Na avaliação do economista Fernando Veloso, diretor de Pesquisa do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (Imds), o Brasil ainda deu mais passos em direção ao protecionismo com a Nova Indústria Brasil (NIB). Ele cita barreiras para importação de equipamentos e tecnologia internacional para favorecer produtores locais. “A NIB é essencialmente uma proteção para a indústria doméstica, setores de equipamentos de saúde, equipamentos industriais, inclusive inteligência artificial, tendo agora proteção para produzir em vez de importar essa tecnologia.”
Na análise dele, as consequências da política comercial protecionista dos EUA podem servir como alerta: “O Brasil é um estudo de caso de protecionismo que leva várias décadas. Nos EUA, será um estudo de caso em tempo real. Isso pode ter um efeito também meio pedagógico de mostrar os efeitos negativos do protecionismo”.
Para o professor da pós-graduação de direito tributário internacional na FGV José Andrés Lopes da Costa, o sistema tributário brasileiro é favorável à exportação, mas “hostil para qualquer tipo de importação, seja de serviços ou de bens e mercadorias”.
A abertura comercial é uma agenda mais ligada a economistas liberais e vista com críticas por desenvolvimentistas, que defendem a necessidade de políticas de Estado, como políticas industriais e subsídios, no processo de desenvolvimento de um país.
Edmar Bacha e Arminio Fraga são exemplos de economistas que reforçaram a defesa pelo fim do protecionismo comercial diante das medidas tomadas por Donald Trump. Bacha voltou a condenar o impacto do protecionismo na baixa produtividade. “Trump nos oferece uma oportunidade de fazer uma reforma liberalizante no nosso comércio exterior, para modernizar e aumentar a produtividade da economia”, disse ele há algumas semanas, após palestra na Academia Brasileira de Letras (ABL).
Arminio, ex-presidente do Banco Central, tem afirmado que o caráter fechado da economia brasileira ultrapassa apenas as tarifas elevadas de importação e há diferentes itens protecionistas em todo o arcabouço de comércio exterior. Crítico ao discurso de que o Brasil é uma economia fechada, o professor do Instituto de Economia da Unicamp Andre Biancarelli diz que o indicador de tarifa média de importação não é o mais indicado. “Olhar para a tarifa média esconde uma série de exceções que existem no caso brasileiro. Há setores mais abertos que outros.”
O economista acredita que a adoção de tarifas lineares de importação não é a melhor estratégia para um país, ainda mais em momento em que a prática de redução de tarifas está em desuso. Tarifas foram usadas por todos os países, argumenta Biancarelli, como ferramentas no processo de industrialização.
Link da publicação: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/09/05/tarifaco-reacende-debate-sobre-brasil-abrir-mais-economia.ghtml
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