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Antecipação de receitas e outras manobras têm custo elevado

Folha

O custo de fechar as contas, sem controlar despesas, está cada vez maior. O Orçamento de 2026 dá sinais de que o governo se lançará em uma busca predatória por receitas.

Fazem parte da estratégia para conseguir receitas extras: a antecipação de receitas futuras de petróleo, descontos elevados em transações com devedores do erário e manobras para fabricar resultado primário.

Vejamos cada uma delas.

A venda de rendas futuras de petróleo da União, oriundas de áreas ainda não leiloadas, contribuirá com R$ 31 bilhões para o Orçamento de 2026.

Trata-se de pura e simples antecipação de receita de gestões futuras, para fechar a conta do governo atual. Os preços nos leilões de venda embutirão o custo financeiro da antecipação dos recursos e o risco de as áreas vendidas não serem produtivas.

Paga-se caro para antecipar a receita e há espaço para fazer estrago, uma vez que a produção de petróleo está crescendo bastante.

Também preocupam as receitas decorrentes de “transações resolutivas de litígios”. A lei 13.988/20 permite a negociação com devedores de dívida ativa ou com contribuintes em disputa com a Fazenda, concedendo descontos que podem chegar a 70% do valor devido. No Orçamento de 2026, espera-se arrecadar R$ 27 bilhões.

As autoridades públicas têm autonomia para decidir quais dívidas ou contenciosos serão objeto de transação, assim como para fixar os descontos oferecidos.

Em condições normais, essas transações são saudáveis, pois reduzem o contencioso e o custo de cobrança. Contudo, havendo necessidade premente de receitas, há incentivo para transações em excesso, com descontos elevados.

É possível que tais transações gerem pagamento de honorários de sucumbência aos advogados públicos, como registrado nesta Folha na reportagem “Medida do governo para aumentar arrecadação também turbina honorários da AGU” (Mercado, 20/7).

Não há transparência. Servidores que conhecem detalhes operacionais da conta única do Tesouro não sabem ao certo se há pagamento de honorários. Se houver, será um incentivo a mais para transações excessivas e pouco vantajosas ao erário, embaladas pelo ganho remuneratório de quem as opera.

governo tem divulgado cifras bilionárias de “receitas recuperadas” mediante transações com contribuintes. Mas não apresenta o custo dos descontos concedidos.

O uso excessivo das transações também pode estimular os contribuintes à inadimplência para posterior pagamento com desconto.

A terceira potencial fonte de recursos predatórios está no pagamento de dividendos de estatais à União. Um caso específico preocupa: a “fabricação de receita primária”.

O governo tem repassado ao BNDES recursos que saem do Orçamento sem impactar a despesa primária. Por serem um funding barato, eles aumentam o lucro do banco, que resulta em pagamentos de dividendos maiores ao Tesouro.

Um dinheiro que sai do Orçamento sem impactar as contas primárias volta mais tarde como receita primária de dividendos. Cria a aparência de melhoria fiscal, mas, na verdade, tem custo para o Tesouro, decorrente do subsídio e da inadimplência nos empréstimos que o BNDES faz com recursos do governo.

Folha noticiou que o mecanismo vai ser repetido com o Banco do Brasil, com liberação de recursos baratos para crédito rural, que vão ajudar a melhorar os maus resultados do banco, turbinando o pagamento de dividendos futuros ao Tesouro (“Governo deve liberar R$ 12 bi para renegociação de dívidas do agro com bancos” (Mercado 5/9).

A busca por receitas predatórias é mais uma dimensão dos custos do desajuste fiscal.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2025/09/antecipacao-de-receitas-e-outras-manobras-tem-custo-elevado.shtml

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Marcos Mendes