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Juro elevado e mobilidade de capital

Folha

No programa Canal Livre da TV Bandeirantes, na noite de domingo passado (31), o ministro Fernando Haddad afirmou que os elevados juros observados no Brasil estão associados à conta de capital aberta. Adicionalmente, afirmou que o problema fiscal não é o que explica o excesso de juro real no Brasil.

De acordo ao ministro, “a moeda brasileira é muito negociada. Há um mercado futuro em reais exagerado em relação à dimensão da economia brasileira no contexto internacional, e às vezes ela fica muito vulnerável a choques, o que faz com que a autoridade monetária tenha que pagar um prêmio de risco superior ao que seria considerado razoável”.

Esse argumento tem dois problemas: teórico e empírico.

Teoricamente, não há teoria que gere o resultado de que a abertura da conta de capital e a excessiva mobilidade de capital cause juros médios praticados maiores. É possível racionalizar ciclos monetários com maior amplitude, talvez até maior amplitude nos ciclos cambiais. Mas será muito difícil que mobilidade de capital aumente o juro médio da economia.

Mas suponhamos que seja possível construir uma teoria que associe excesso de mobilidade de capital a juros domésticos maiores na média do ciclo econômico. Essa teoria deveria gerar também uma tendência desinflacionária permanente –e este fato não ocorre. Vivemos situação de perene pressão inflacionária.

O problema empírico é que não há nada de muito especial no mercado financeiro brasileiro em comparação ao do Chile, Peru, Colômbia ou México. Todas essas economias têm conta de capital tão ou mais aberta do que a brasileira e fluxos expressivos de capital. São economias com muita riqueza financeira. Por exemplo, o valor do mercado acionário chileno e peruano é superior ao brasileiro.

No entanto, quando olhamos as contas fiscais, há diferenças marcantes entre o Brasil e essas economias latino-americanas. Como elaborei na coluna de 11 março de 2023, em comparação a essas economias latino-americanas, temos a maior inflação média, o maior gasto público, o maior gasto previdenciário e a maior carga tributária.

O juro doméstico, para uma pequena economia aberta, que é o caso brasileiro, é dado pelo juro internacional somado ao risco. A acumulação de reservas internacionais que houve entre 2005 e 2010 contribuiu para reduzir muito os juros domésticos, pois reduziu muito o risco. Foi uma política acertada.

Certamente uma melhora fiscal que sinalize sermos capazes de gerar superávits primários que estabilizem a dívida pública contribui muito para reduzir o prêmio de risco.

Em médio prazo, a melhora fiscal, se for consistente, pode fazer com que sejamos considerados uma economia de baixo risco, isto é, uma economia grau de investimento, como já fomos no passado recente. No período em que éramos grau de investimento, a participação de estrangeiros no financiamento da dívida pública era maior do que 20%. Hoje esse número é inferior a 10%. Evidentemente, se conseguirmos financiar uma parcela maior da dívida pública com captações externas, principalmente de fundos de pensão e de outros fundos que favorecem investimentos de longo prazo, o juro deve cair por aqui.

É natural que o desequilíbrio fiscal esteja na raiz da anormalidade dos juros. O desequilíbrio fiscal não é um problema técnico, mas a expressão mais cristalina do nosso conflito distributivo, ou luta de classes, para os que preferem o jargão marxista.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2025/09/juro-elevado-e-mobilidade-de-capital.shtml

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.


Sobre o autor

Samuel Pessôa