Estadão
O juro alto resulta do fiscal ruim; o resto é desculpa esfarrapada
Recentemente o ministro da Fazenda papagueou tese comum em hordas heterodoxas, a saber que nossa elevada taxa real de juros seria originária do mercado de câmbio.
O “raciocínio” seria o seguinte: como o mercado cambial é grande e a nossa conta de capitais é aberta, haveria uma pressão persistente de venda de reais (ignora-se o motivo, talvez para fazer proteção de outras moedas emergentes), que forçam o BC a manter juros elevados para impedir desvalorização excessiva da moeda e, portanto, inflação alta.
A tese já foi desmontada por Samuel Pessôa em artigo recente, que, dentre outras coisas, notou que, se isto fosse verdade, a inflação – devida ao excesso de juro real – teria que tipicamente ficar abaixo da meta, quando sabemos que o contrário ocorre. Caso encerrado.
Não discordo do Samuel, pelo contrário, mas quero aqui chamar a atenção para outros desenvolvimentos que também apontam para falhas da hipótese. Um deles é o padrão da inflação brasileira: historicamente a inflação dos serviços (6,1% ao ano nos últimos 20 anos) supera a inflação de bens, em particular dos mais ligados à taxa de câmbio, comercializáveis (5,1%) ou os industrializados (3,7%), fenômeno incompatível com a ideia de inflação pressionada pelo câmbio.
Outro é a própria flutuação da taxa real de juros. A taxa de juros para um ano, hoje na casa de 10% ao ano, flutuou ao redor de 2,5% ao ano entre 2017-19 e foi negativa em 2020-21. A taxa para 10 anos, agora superior a 7% ao ano, havia caído para perto de 3% ao ano em 2019, depois de registrar picos similares ao atual em 2015.
Esta variação é incompatível com a tese de tamanho do mercado cambial, ou a abertura da conta de capitais, determinado o juro real, visto que nenhum destes fatores flutuou de forma remotamente similar à taxa de juros.
Não é picuinha acadêmica. Ao apontar na direção errada o ministro deliberadamente deixa de lado a causa mais provável: o desempenho das contas públicas, sua direta responsabilidade.
É cômodo, sem dúvida, mas também revela alguns dos motivos para a frouxidão fiscal que marca o atual governo. Sem perceber (ou pior, fingir não perceber) o efeito do gasto público crescente sobre taxa de juros, seja pelo estímulo ao consumo, seja pela elevação do risco associado à dívida pública, o ministro não toma as medidas necessárias para reverter o problema, insistindo que o arcabouço fiscal, mais furado que janela em tiroteio, seria a solução para as contas públicas.
Enfim, a culpa é dele e ele a coloca em quem quiser.
Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/juro-alto-resulta-fiscal-ruim-resto-desculpa-esfarrapada/
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