Entrevistas

“Questão conjuntural e perigosa”, diz Armínio Fraga, sobre ataque de Trump ao Fed

Para o ex-presidente do Banco Central do Brasil, cenário nacional também inspira cuidados

InfoMoney

Em uma semana com decisões de política monetária nos Estados Unidos e no Brasil, o debate não está apenas centrado nos juros, mas na possibilidade de interferências políticas nas autarquias. O governo de Donald Trump, por exemplo, reforçou, neste domingo (14), um pedido de emergência para que um tribunal de apelações americano permita a demissão de Lisa Cook, diretora do Federal Reserve ou Fed (banco central americano). A ofensiva – que já dura semanas – reacendeu a discussão sobre a independência da autarquia que continua bastante pressionada por Trump para cortar juros. 

Para o economista e ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, a situação é realmente “muito estranha, mesmo, porque, em geral, o funcionamento do banco central nos Estados Unidos, pode ter seus problemas conjunturais mas, não dá para dizer que não funcionam muito bem”. 

De acordo com Fraga, esta situação, de interferência no Fed por parte do governo americano “parece ser uma questão um tanto conjuntural e perigosa”. A entrevista foi concedida ao InfoMoney, após a gravação de um episódio do podcast Outliers, que vai ao ar nas próximas semanas. 

Embora a situação americana seja complexa, Fraga não é mais otimista sobre o cenário brasileiro. “O Brasil não tem o luxo de ter a história dos Estados Unidos, que dá a eles uma certa margem – e, isso, você pode ver pela taxa de juros. A taxa de juros lá é muito mais baixa do que aqui e isso espelha muita coisa”, afirmou.  

O panorama nacional, contudo, também inspira cuidados. “Eu tomaria um pouco de cuidado em não relaxar muito com o nosso caso [no Brasil]. Há poucos dias, o Congresso ameaçou passar uma lei para poder demitir um diretor do Banco Central – um específico, que aparentemente, estava atrapalhando algo que o Congresso gostaria que fosse feito”, afirmou.

No Brasil, a autonomia do BC é garantida pela Lei Complementar nº 179/2021, que busca proteger a autarquia contra interferências políticas com a criação de mandatos para os diretores. O projeto a que se refere Fraga é encabeçado pelo Partido Progressistas e foi endossado por líderes de outros partidos do Centrão, da oposição e da base do governo. O PL altera a lei de 2021 e permitiria que o Congresso “fiscalizasse” as atividades da diretoria do BC e questionasse a estabilidade no cargo para os diretores.  “Já disse isso e repito: sinceramente, isso é coisa de republiqueta”, declarou. 

Projeções econômicas – e eleitorais

Ainda no campo político, Fraga avalia que, no ano eleitoral de 2026, os debates deveriam girar em torno de temas macro, como as projeções de relação entre dívida e PIB, que passaram de 77%. “Os políticos tendem a fugir desse assunto porque, em geral, só enxergam o lado que aparenta ser um sacrifício. Eu digo ‘aparenta’ porque, na prática, o sacrifício é ficar 45 anos crescendo pouco e de 5 em 5 anos ou de 10 em 10 anos tendo uma crise. Isso, sim, que é o sacrifício”, afirma. 

“Sacrifício é ficar 45 anos crescendo pouco e de 5 em 5 anos ou de 10 em 10 anos tendo uma crise”— Armínio Fraga, economista e ex-presidente do Banco Central do Brasil

“É um tema [a relação entre dívida e PIB] que, inevitavelmente, vai surgir no debate e é bom que surja. É bom que se discuta isso de maneira aberta para que quem se eleger possa atacar esses problemas com o necessário vigor – e com mandato é mais fácil”, avalia.

Na avaliação de Fraga, contudo, não é certo que um novo presidente será eleito com um um mandato para ‘arrumar a casa’. “Não creio que seja fácil conseguir esse mandato do jeito que estou falando aqui. Mas tenho total confiança de que um presidente eleito com um mandato para arrumar a casa vai se sair muito bem e vai fazer muito bem ao Brasil. Sou cuidadoso e tenho uma esperança. É importante que se entenda que existem caminhos melhores, com a austeridade que nunca aconteceu aqui, do jeito certo”, diz. E resume: “O que mais falta é prioridade”.

Link da publicação: https://www.infomoney.com.br/economia/questao-conjuntural-e-perigosa-diz-arminio-fraga-sobre-ataque-de-trump-ao-fed/

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