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Estamos na iminência de um processo de corte de juros nos EUA?

Há expectativa de que os efeitos dos reajustes tarifários promovidos pelo governo americano se reflitam nos preços nos próximos meses, o que justifica uma abordagem gradual

InfoMoney

A expectativa de cortes na taxa de juros pelo Federal Reserve ganhou força diante da combinação entre sinais de enfraquecimento do mercado de trabalho, inflação sem impactos ainda significativos das tarifas e um ambiente político mais ruidoso. O cenário atual sugere que a autoridade monetária poderá iniciar um ciclo de flexibilização de forma cautelosa, mas com maior continuidade do que se imaginava anteriormente.

O principal argumento para o início desse ciclo está na deterioração dos dados de emprego. A revisão dos números do payroll para maio e junho, somada aos resultados mais fracos em julho e agosto, reduziu a média móvel trimestral de criação de vagas de 150 mil em junho para apenas 29 mil em agosto.

Powell, em seu discurso em Jackson Hole, destacou que a perda de tração ocorre especialmente em setores mais sensíveis à política monetária e afirmou que o mercado de trabalho está menos aquecido, com um equilíbrio incomum entre oferta e demanda, resultado de desaceleração em ambos os lados. Ele alertou que, apesar de os números atuais parecerem estáveis, a base desse equilíbrio é fraca, e por isso os riscos de deterioração do emprego são maiores e podem se materializar rapidamente.

Até a reunião de julho, a atenção estava voltada para o equilíbrio do mercado de trabalho, com contratações e demissões em níveis historicamente baixos; após as revisões, o foco se deslocou para a fragilidade do payroll.

Uma coisa impressionante é como os indicadores são mal construídos, os dados podem ser tão profundamente revisados, como aconteceu agora com os dados do mercado de trabalho, que fica claro que antes da revisão a leitura dos dados e consequente projeção de cenários estava totalmente equivocada.

No lado da inflação, o índice de preços de despesas de consumo pessoal (PCE) segue em 2,6%, com núcleo em 2,9% em julho, ambos acima da meta de 2%. Há expectativa de que os efeitos dos reajustes tarifários promovidos pelo governo americano se reflitam nos preços nos próximos meses, o que justifica uma abordagem gradual. Parte dessa defasagem se deve à formação antecipada de estoques por empresas importadoras, que permitiu a manutenção dos preços sem repasses imediatos.

Nos últimos meses, o impacto observado ainda tem sido moderado, refletindo repasses parciais — movimento que, segundo o Livro Bege (relatório do Federal Reserve que reúne informações qualitativas sobre a economia a partir de entrevistas com empresas locais), decorre do receio de perda de participação de mercado. Até a reunião de julho, havia uma preocupação maior com os riscos inflacionários, registrada na última ata do FOMC, e boa parte dos dirigentes defendia uma postura de wait-and-see para avaliar os efeitos das tarifas. Esse peso dado à inflação, no entanto, diminuiu após a divulgação dos dados mais fracos do payroll. Em Jackson Hole, Powell admitiu que o impacto das tarifas pode ser considerado um aumento único nos preços, mas com efeitos mais duradouros, exigindo monitoramento atento para evitar que se tornem persistentes.

No campo político, a pressão sobre o Federal Reserve é crescente, mas a instituição não deve reduzir juros em resposta a ela. Desde sua volta à presidência, Donald Trump tem feito declarações públicas pressionando Jerome Powell e outros dirigentes a acelerar o ritmo de cortes, mas o Comitê tem reiterado que suas decisões seguem critérios técnicos e são orientadas por dados econômicos. Powell manteve postura firme até a reunião de julho, quando a preocupação central ainda era o impacto das tarifas sobre os preços.

O episódio envolvendo a tentativa de demissão da diretora Lisa Cook — revertida por decisão judicial — expôs ainda mais a tensão institucional. Trump assinou sua exoneração na última semana de agosto, alegando envolvimento em fraude hipotecária. No entanto, Cook contesta a decisão e obteve liminar no Tribunal de Washington para permanecer no cargo enquanto o caso é julgado, com base na interpretação de que a acusação não configura justa causa segundo a legislação do Federal Reserve. O processo deve seguir para a Suprema Corte e pode se arrastar até o início de 2026, mas sem alterar, no curto prazo, a composição do Comitê.

Diante desse contexto, o Federal Reserve se encontra em um ponto de inflexão: a desaceleração do mercado de trabalho e a expectativa de moderação da inflação criam espaço para flexibilização monetária, enquanto a resiliência institucional frente às pressões políticas reforça a disposição de preservar a autonomia. A autoridade monetária deve calibrar os estímulos de forma gradual, sem abrir mão da vigilância sobre os preços, buscando apoiar a economia sem comprometer a estabilidade de longo prazo.

Este artigo teve as co-autorias de Rita Milani, economista da BuysideBrasil e de Andrea Damico sócia fundadora da BuysideBrasil.

Link da publicação: https://www.infomoney.com.br/colunistas/luiz-fernando-figueiredo/estamos-na-iminencia-de-um-processo-de-corte-de-juros-nos-eua/

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Luiz Fernando Figueiredo