Apesar de ser possível ver sinais de desaceleração da demanda agregada, o ex-diretor do BC reforçou que o patamar de inflação e de projeções e expectativas para os próximos “vários anos” ainda estão “bastante distantes da meta”
Valor
Para iniciar o ciclo de corte de juros, o Banco Central do Brasil deveria esperar ver sinais de que a ociosidade no mercado de trabalho começou a aumentar e de que as expectativas de inflação estão em uma trajetória de convergência para a meta, disse Eduardo Loyo, sócio do BTG Pactual e ex-diretor do BC. “Não temos nenhum desses dois ingredientes ainda”, afirmou durante evento do banco hoje em São Paulo.
Para ele, sem esses dois “ingredientes”, iniciar um ciclo de afrouxamento monetário seria “do tipo confiando que…”. “Eu não acho que essa seja a melhor estratégia, acaba sendo mais custoso, embora pareça mais simpática a curto prazo”, disse.
Apesar de ser possível ver sinais de desaceleração da demanda agregada, Loyo reforçou que o patamar de inflação e de projeções e expectativas para os próximos “vários anos” ainda estão “bastante distantes da meta”.
“No fundo, a gente está olhando para frente e vendo vários anos em que a inflação esperada cai muito pouco de um ano para o seguinte. E estamos vendo isso com um quadro de demanda que mostra sinais de fraqueza, mas partindo ainda de um patamar no mercado de trabalho que não sugere impulso desinflacionário potente”, afirmou.
Se a atividade econômica desacelerar como o modelo do BC prevê, as indicações são de que se chega perto da meta de inflação no horizonte relevante no primeiro trimestre do ano que vem, entre janeiro e março, disse Tiago Berriel, sócio e estrategista-chefe do BTG Pactual e também ex-diretor do BC. Se tudo correr dentro do esperado, segundo ele, isso indicaria que o BC poderia começar um ciclo de afrouxamento na política monetária.
Ele reconheceu que tem algum risco de esse “sinal verde” acontecer em dezembro. “No Brasil, o impossível tem 10% de chance de acontecer. Mas parece improvável”, afirmou.
Isso iria requerer, segundo Berriel, uma combinação de apreciação cambial e reancoragem das expectativas de forma pouco usual. “Não impossível”, disse. Considerando as expectativas em relação à atuação do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unido), haverá um “vento de cauda favorável vindo do externo, o que é um interregno benigno acontecendo novamente no Brasil”. Mas o mais provável, ressaltou, é que o ciclo de afrouxamento dos juros comece no primeiro trimestre do ano que vem.
Entre os riscos do cenário, ele citou a evolução da atividade. “Acho que, para a gente atingir a meta no horizonte relevante no ano que vem, a gente não deveria poder crescer 1,5%. Deveria crescer menos.”
Há também outros riscos, apontou. “Em ano eleitoral, em geral, historicamente, sem nenhum julgamento de valor sobre este ciclo eleitoral, temos política fiscal mais expansionista, tanto implementada pelo governo federal quanto pelos Estados. E pode ser que esse ano seja diferente, mas pode ser que não seja.”
Algumas medidas, disse, já vão nesta direção, como a discussão sobre a isenção do Imposto de Renda na faixa até R$ 5 mil. Isso, lembrou Berriel, não está no modelo do BC porque não foi aprovado ainda. Mas provavelmente será implementado e, mesmo que haja compensação, o resultado é expansionista, porque o efeito da isenção é mais poderoso do que o do aumento de imposto, segundo Berriel.
“E, estranhamente, essa surpresa para cima de atividade vinda do fiscal foi o que fez o modelo do Banco Central errar nos últimos anos. Então, nem seria um erro novo, seria uma repetição dos erros que a gente tem visto durante muito tempo. Do ponto de vista do BC, talvez seja um pouco prudente tatear com algum cuidado e não aceitar essa convergência de atividade e da inflação tão rapidamente quanto o modelo sugere.”
Federal Reserve
Existem “alavancas diferentes” de pressão do Executivo americano sobre o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, mas a atual gestão também já tinha uma tendência mais “dovish” (propensa a corte de juros) do que “hawkish” (inclinada ao aperto monetário), disse Loyo.
“Não é como se fosse um governo pressionando um Fed ultra ‘hawkish’. Acho que é um Fed que tem tendência dovish por si só, sem pressão nenhuma”, afirmou Loyo.
Para ele, o Fed tomou uma decisão de cortar juros no ano passado, por exemplo, sem que as condições, de trajetória de inflação e mercado de trabalho, estivessem dadas para se completar a convergência da inflação para a meta. “Não é como se o Fed atual fosse exatamente ‘hawkish’ e precisasse sofrer pressões enormes para adotar uma atitude mais ‘dovish’”, afirmou.
Dito isso, Loyo reconheceu que há mecanismos de pressão sobre o Fed que transcendem os mais tradicionais de pressão e reclamação por parte do Executivo. “Estamos em um mundo novo, em que outras alavancas estão sendo acionadas e elas podem ser mais ou menos eficazes”, afirmou.
Loyo ponderou que a impressão pública de eficácia dessa pressão do Executivo americano sobre o Fed pode ser menor do que parece. “Eu tenderia a dar um certo desconto”, disse. “Tendemos a dar mais crédito às interferências do que de fato elas têm. Mas, de fato, estamos em um momento de alavancas diferentes sendo acionadas.”
Em relação à política monetária do Fed, dada a desaceleração da economia americana, é possível que haja mais do que só dois cortes na taxa de juros, disse Berriel. “A gente vai para perto da [taxa] neutra [de juros], talvez abaixo da neutra, dependendo da composição e das trocas no Fed em maio”, afirmou.
Para ele, há alguns questionamentos sobre o quão eficaz poderá ser o afrouxamento monetário nos EUA nas circunstâncias atuais, com condições financeiras muito frouxas, famílias muito desalavancadas e espaço de reaceleração no mercado imobiliário.
“Ao contrário do processo de subida [dos juros], quando as famílias e as empresas tinham se assegurado em uma taxa pré-fixada em financiamentos de longo prazo e que era muito insensível, agora há um espaço grande para realavancagem a taxas mais baixas”, disse. Isso, observou, pode induzir uma reação mais rápida. “Então, eu seria um pouquinho mais cauteloso, mas eu acho que o Fed vai um pouquinho mais do que isso.”
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