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Ideia errada no lugar certo

Estadão

O limite de dívida é uma ideia fadada ao fracasso

Parafraseando Millôr, quando uma ideia fica velha, vem morar no Brasil. Foi o que me passou pela cabeça com a discussão recente no Senado, onde se cogita instituir uma lei que limite o tamanho da dívida em relação ao PIB (ou às receitas).

Independentemente da métrica, trata-se de uma ideia fora de propósito, que já deu errado em países que tentaram fazê-lo, motivo mais do que suficiente, claro, para tentá-la por aqui, fazendo justiça ao mestre Millôr. Nos EUA, é bom lembrar, são periódicas as crises políticas toda vez que o limite de dívida se aproxima; na Zona do Euro a iniciativa levou a burlas (Grécia) ou perdões (França), mas em nenhum caso funcionou para conter o endividamento excessivo.

Obviamente, por tudo que defendo, sou favorável a medidas que revertam a trajetória da dívida pública, dado que, mantidas as atuais condicionantes, logo se tornará insustentável. O problema é como fazê-lo e como não o fazer.

Conhecemos bem a segunda parte. Não foram poucas as iniciativas no sentido de impor limites de cima para baixo nas despesas do governo, das quais o falecido teto de gastos e o moribundo (ou zumbi, há controvérsia) arcabouço fiscal são apenas os exemplos mais recentes.

Fracassam porque tentam conter o sintoma, não sua causa: um conjunto de regras que implicam expansão persistente dos gastos obrigatórios acima do ritmo de crescimento sustentável do PIB. Assim, cedo ou tarde (normalmente mais cedo do que se previa), o gasto obrigatório cresce a tal ponto que obriga à escolha de Sofia: ou o gasto discricionário cai tanto que a máquina pública colapsa, ou a regra é abandonada.

A história recente sugere que nossa Sofia não tem a mesma dificuldade do personagem: a regra fiscal acaba jogada fora, normalmente trocada por outra que, conforme a promessa do governo de plantão, “irá funcionar desta vez”!

Não há por que imaginar que será diferente sob tal proposta. A dívida-PIB cresce enquanto o resultado primário for insuficiente para pagar o excesso de juro real relativamente ao crescimento do produto. E sem o controle de gastos obrigatórios, não será possível atingir tal objetivo, como demonstra nossa experiência. Se endividamento crescente resultasse de falta de leis, o Brasil já teria resolvido o problema.

Assim, a ideia está condenada ao fracasso como todas suas antecessoras. Se a meta é controlar a dívida, precisamos mudar a dinâmica do gasto obrigatório, tarefa trabalhosa, politicamente difícil, mas a única que funciona.

Quem se habilita?

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/limite-da-divida-em-relacao-ao-pib-e-uma-ideia-condenada-ao-fracasso/

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Alexandre Schwartsman