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O plano do ministro Haddad

Folha

Na segunda-feira da semana passada houve o evento macroeconômico de 2025 do BTG Pactual. O evento iniciou-se com uma palestra do ministro Fernando Haddad, seguida de uma conversa com o economista-chefe Mansueto Almeida.

Na apresentação, o ministro argumentou que parte significativa dos problemas fiscais é fruto de despesas que foram contratadas no governo anterior. O ministro mostrou que as alterações dos critérios de elegibilidade para o BPC (Benefício de Prestação Continuada) adicionarão R$ 37,8 bilhões no gasto de 2026. A elevação da complementação da União para o Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica) aumentará em 2026 o gasto em R$ 38,6 bilhões.

Somando os dois, temos um gasto adicional de R$ 76,4 bilhões, ou 0,6% do PIB. Como o déficit primário em 2026 será da ordem de 0,4% do PIB, já considerando os precatórios, de fato, se não houvesse o aumento do gasto com BPC e Fundeb teríamos em 2026 superávit primário de 0,2% do PIB.

Há certa seletividade do ministro na escolha dos fatos. O governo anterior reduziu o gasto com pessoal em 1% do PIB, o que facilitou muito a gestão fiscal do atual governo. As empresas estatais, não financeiras e bancos, foram entregues à atual administração com bons indicadores de liquidez, baixo endividamento e balanço enxuto, o que ajuda hoje na lucratividade das mesmas e contribui para a receita de dividendos no atual governo.

Temos que lembrar que quando FHC transferiu o governo para Lula, em 2002, o superávit primário estrutural medido pela Instituição Fiscal Independente e o gasto tributário eram ambos de 2% do PIB. Quando Dilma passou o bastão para Temer, havia um déficit primário estrutural de 1,5%, e o gasto tributário era de 6% do PIB. Em 2026 o PT terá governado o país por 70% dos últimos 22 anos. A prática de empurrar responsabilidades para terceiros se torna mais difícil.

Na segundo parte, o ministro teve oportunidade de tratar do problema fiscal de maneira mais conceitual. Nos quatro anos do terceiro mandato do presidente Lula, o déficit nominal médio será de 8,5% por ano. A dívida se elevará em 11% do PIB, de 72% do PIB para 83%. Temos um encontro marcado com um ajuste fiscal a partir de 2027.

O ministro sugeriu que esse ajuste terá duas pernas. Por um lado, aqueles gastos que atendem a grandes parcelas da população, principalmente os mais pobres. Trata-se dos programas sociais vinculados ao salário mínimo, como BPC, aposentadoria rural, o piso da previdência social etc. Faz parte desse grupo de despesas o gasto mínimo constitucional com saúde e educação, hoje vinculado à Receita Corrente Líquida. Estes são os gastos que na coluna de 25 de junho chamei de gastos eleitor mediano.

A segunda perna são aqueles gastos que atendem aos interesses particulares da sociedade. Entram nesta lista, entre outros: os gastos com as emendas parlamentares, os critérios de aposentadoria dos militares, que ficaram fora da última reforma, os supersalários de servidores públicos e os gastos tributários.

O posicionamento do ministro é que não é possível discutir mudar os critérios de indexação do salário mínimo e dos gastos mínimos constitucionais em saúde e educação, e mesmo os critérios de elegibilidade ao BPC, sem, simultaneamente, discutir os gastos que atendem aos interesses particulares. Difícil discordar do ministro.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2025/09/o-plano-do-ministro-haddad.shtml

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Sobre o autor

Samuel Pessôa