Legislação brasileira possui um arsenal razoável de leis para orientar a política fiscal; o que pode ser aprimorada é a execução da política fiscal, sem novas exceções ao sabor do momento
Estadão
m uma ocasião, quando eu era presidente do Banco Central, meu colega do Banco do Canadá, Mark Carney – hoje primeiro-ministro do país – me perguntou por que estávamos acumulando um valor tão alto em reservas internacionais. “Mark, quando vocês disserem que o Brasil é um país rico, não um país emergente, nós não precisaremos acumular tantas reservas.” Da mesma forma, quando me perguntam por que alguns países podem ter dívidas equivalentes a mais de 100% do seu PIB e o atual patamar de 77% do PIB é alto para o Brasil, respondo: “Porque o Brasil não é considerado um país rico, mas um país emergente”.
Menciono isso porque está em discussão no Senado um projeto que pretende limitar o nível da dívida pública da União. Fala-se em estabelecer o teto da dívida bruta do governo geral em 80% do PIB, excluídas as operações compromissadas do Banco Central e as dívidas de Estados e municípios. Em situações excepcionais, o governo poderia pedir uma licença ao Congresso para não cumprir a meta da dívida. Não conheço o projeto em detalhes e a questão – fundamental – das exceções. Quero ficar na discussão dos princípios.
Em primeiro lugar, o patamar de 80% do PIB seria considerado alto hoje, mas difícil de evitar na atual trajetória ascendente da dívida, alimentada pela política fiscal. Mas, como mostrei, não existem critérios fixos para determinar se o nível da dívida de um país é alto ou baixo. A análise é feita caso a caso.
Minha experiência na administração pública mostra que, quanto mais simples e diretas as regras, mais eficientes elas são. O teto de gastos funcionou porque tinha uma regra clara: as despesas do ano seguinte são reajustadas pela inflação do ano anterior. O perigo na elaboração de leis está nas exceções. Criar um limite para a dívida poderia funcionar como um bom sinal ao mercado, para atrair investidores. Mas a questão é o que fica de fora desse limite e a elasticidade no cumprimento.
Já comentei aqui o hábito do governo e do Congresso de excluir despesas do teto do arcabouço fiscal. Serve para evitar complicações formais, mas não anula os efeitos financeiros para a dívida pública. Da mesma forma, criar um teto para a dívida adiantará pouco se governo e Congresso não desistirem de ampliar gastos e combinar exceções à regra.
A legislação brasileira possui um arsenal razoável de leis para orientar a política fiscal. A Lei de Responsabilidade Fiscal e o arcabouço fiscal estabelecem as bases da boa gestão. O que pode ser aprimorada é a execução da política fiscal, sem novas exceções ao sabor do momento.
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