Globo
Outubro inaugura o início do fim do ano. Nas empresas, o último trimestre do ano costuma misturar aprovações finais de orçamento do próximo ano e esboços do que será o balanço do ano que começa a acabar.
Companhias de todos os tamanhos revisam projeções, refazem cenários e tomam decisões sobre onde colocar e onde cortar recursos. Definem prioridades e a necessidade de investimentos para viabilizá-las. Dimensionam e avaliam composição e desempenho da sua força de trabalho para garantir que o capital humano esteja adequado — em quantidade, competência e qualificação. Quanto maior a complexidade do negócio, mais cedo e de forma mais detalhada esse processo começa. Tamanho, grau de diversificação das atividades, ambições e, claro, a situação econômica da empresa, são variáveis importantes. Mas é com a busca do resultado do próximo ano que o processo orçamentário realmente se conecta.
Curiosamente, o Estado brasileiro, cujo Orçamento previsto no projeto de lei orçamentária para 2026 contém milhares de linhas e supera R$ 6,5 trilhões, parece se questionar pouco sobre o tema. Embora regulamentado e iniciado cedo no calendário anual, discussões sobre prioridades sociais, ou sobre o resultado das políticas públicas em curso, a eficiência do gasto ou mesmo o dimensionamento da força de trabalho não parecem ter papel relevante como ponto de partida. O processo, cada vez mais burocrático em função da rigidez dos gastos e da captura do Orçamento público por grupos de interesse, é dominado pela inércia. Pouca relação tem com como e em que gastar para que o país cresça, se desenvolva e promova justiça social.
Regulado pela Constituição Federal e pela Lei n.º 4.320/1964, os documentos centrais do processo são o Plano Plurianual (PPA); a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), que começa no início do ano no Poder Executivo com a elaboração da LDO e termina no Congresso Nacional, com a aprovação da LOA em dezembro de cada ano. Entre abril e dezembro tudo acontece. Menos o que deveria acontecer.
A alocação do Orçamento público brasileiro não se baseia numa avaliação sistemática dos gastos em curso para decidir como alocar melhor os recursos. Assim, ano após ano, repetem-se gastos que podem ter perdido sentido ou que não entregam resultados. Vários deles acontecem vinculados à evolução da receita ou presos a políticas públicas de má qualidade, mas extremamente populares para muitos ou, paradoxalmente, para alguns poucos.
É nesse vazio que entra a importância de um mecanismo amplamente adotado pelos países desenvolvidos, o spending review, ou revisão de gastos. Em países como Reino Unido, Itália ou Portugal, tornou-se rotina revisar despesas não apenas para cortar, mas para reorganizar prioridades. Com base em revisões anuais, o governo decide encerrar projetos que não dão retorno e redirecionar os recursos para áreas mais estratégicas.
No Brasil, sabemos onde o calo aperta. Engessado por despesas obrigatórias — Previdência, folha de pagamentos, benefícios e subsídios — que respondem por mais de 90% do gasto primário, quase nada sobra do Orçamento para investir no futuro. Continuamos financiando programas que nasceram em outro contexto histórico e vários que não sobrevivem a avaliações de impacto e análises de eficiência. Ao mesmo tempo, faltam recursos para a primeira infância, para infraestrutura, para ciência e inovação — áreas que poderiam transformar o futuro do país.
Não vou repisar a atual situação fiscal do Brasil. Déficit primário de R$ 61,8 bilhões até agosto, com parafiscal a pleno vapor e dívida bruta a caminho de atingir os 80% do PIB falam por si. Mas o tema aqui transcende esse ponto. Sim, gastamos muito. Mas para qualificar o debate precisamos entender com quem gastamos. Essa é a forma direta de expor as escolhas que estamos fazendo com nossos recursos e confrontá-las com as nossas prioridades.
Para chegarmos lá, torna-se imperativo adotar a revisão de gastos (spending review), permitindo a realocação de recursos de forma estratégica e eficiente, priorizando áreas que promovam o crescimento econômico sustentável e a redução das desigualdades sociais. O spending review é o instrumento que nos permitirá alinhar o Orçamento às necessidades da sociedade e preparar o Brasil para o futuro.
Link da publicação: https://oglobo.globo.com/economia/ana-carla-abrao/coluna/2025/10/revisar-gastospara-quem.ghtml
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